A sociedade empresária é uma pessoa jurídica de direito privado não estatal que explora empresarialmente seu objeto social ou adota a forma de sociedade por ações.
A personalidade jurídica surge com a criação da pessoa jurídica, ou seja, através da inscrição do ato constitutivo em registro competente.
A esse respeito, assim prevê o art. 45 do Código Civil:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
A conceituação da sociedade empresária está ligada ao conceito de empresário disposto no Código Civil e nada mais é que um agente econômico de mercado.
A pessoa jurídica é equiparada à pessoa física nos seus direitos e capacidades como sujeito de obrigações contratuais e, portanto, constitui importante instrumento de promoção do valor constitucional da livre iniciativa (art. 1º, IV, Constituição da República Federal do Brasil de 1988 – “CRFB”).
Assim, entende-se que a sociedade, por ser desprovida materialmente de meios próprios para manifestar sua vontade e realizar negócios jurídicos válidos de maneira autônoma, vale-se dos seus diversos órgãos para tanto.
A desconsideração da personalidade jurídica é um incidente que visa alcançar os bens dos sócios e administradores que devem responder por obrigações de responsabilidade da sociedade.
Em caso de abuso de direito ou fraude, a personalidade jurídica é desconsiderada e o patrimônio dos sócios e administradores alcançado para satisfazer o credor ou consumidor lesado.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica possui extrema relevância no meio jurídico. Verifica-se que há certa dificuldade em diferenciar o instituto da responsabilização dos sócios e administradores de uma sociedade empresária da desconsideração da personalidade jurídica.
O Código Civil de 2002, art. 1.024 estabelece que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”
O Código Civil Brasileiro de 1916 trouxe o princípio da autonomia patrimonial. De acordo com o art. 20 daquele diploma, a pessoa jurídica possui existência distinta da de seus membros, sendo capaz de deveres e direitos próprios, ostentando responsabilidade patrimonial própria.
O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, constitui-se numa importante ferramenta jurídica de incentivo ao empreendedorismo. Foi um grande avanço para a atratividade dos investimentos, com a alocação de risco previsível. O sócio passou a ter noção perfeita de sua responsabilidade e do limite do risco do seu investimento onde o máximo de perda é delimitado.
Contudo, se uma limitação de responsabilidade for utilizada para um fim diferente do de limitar a responsabilidade de um parceiro, pode ser social e economicamente prejudicial. Como resultado, surgiu a teoria da negação da personalidade da pessoa jurídica. Contudo, em situações em que é difícil obter crédito, a utilização incondicional de teorias que não têm em conta a personalidade jurídica pode criar insegurança jurídica e dificultar o empreendedorismo.
A Lei 13.874/2019, conhecida como “Lei da Liberdade Econômica”, LLE trouxe alterações legislativas em vários ramos do direito, mas, principalmente, no âmbito do direito civil.
A referida lei estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador.
A LLE objetiva facilitar o empreendedorismo, através da uniformização da jurisprudência, do combate a insegurança jurídica, deixando “as regras do jogo” mais claras para os envolvidos.
O disposto nesta Lei deve ser observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho. Interpretam-se os artigos em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.
Aliás, tais requisitos foram recentemente detalhados por meio da lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que modificou o dispositivo com objetivo de ressaltar a excepcionalidade desse remédio diante da banalização do instituto, incorporando, assim, a orientação da doutrina e jurisprudência majoritária sobre o tema.
Foi inserto o art. 49-A no Código Civil Brasileiro com o objetivo de positivar os entendimentos jurisprudenciais do STJ e aceitos pela doutrina.
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Existem duas teorias sobre a desconsideração da personalidade jurídica, denominadas Teoria Maior e Teoria Menor.
Para a Teoria Maior, a aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica somente ocorrerá quando restar configurado ato fraudulento ou abusivo. Esses atos correspondem às condutas de desvio de finalidade ou da confusão patrimonial anteriormente expostos.
Para a Teoria Menor, não há necessidade de prova de fraude, bastando que existam obstáculos por parte da pessoa jurídica que impossibilitem o ressarcimento dos prejuízos ao consumidor.
É possível perceber que as teorias são adotadas em diferentes relações, quais sejam: civis e consumeristas, abordando-se no presente artigo a relação com enfoque civil.
O Código Civil Brasileiro adota a Teoria Maior. É necessária a existência de abuso da personalidade jurídica (pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial) para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica.
A interpretação dos requisitos é restrita e deve se ater ao que diz o texto legal (art. 50, CC) e, claro, ao princípio do devido processo legal. É o que diz o Enunciado 146 da II Jornada de Direito Civil.
O regramento da desconsideração da personalidade jurídica está no art. 50 do Código Civil, com requisitos para a desconsideração, conforme segue:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
O artigo 51 do Código Civil Brasileiro trata de casos de dissolução, abaixo:
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.
O artigo 52 do Código Civil Brasileiro refere-se a proteção dos direitos de personalidade, vejamos:
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
Os Requisitos para aplicação do dispositivo são: abuso da personalidade jurídica e/ou confusão patrimonial; trazer benefício direto ou indireto pelo sócio ou administrador.
Outro ponto a ser discutido é sobre o encerramento irregular da sociedade empresarial, visto que era pacífico no STJ que o encerramento irregular da sociedade não gerava, por si só, a desconsideração da personalidade jurídica. Agora, isso poderá ser questionado.
O legislador também positivou no Código Civil Brasileiro a desconsideração inversa, que constava antes no Código de Defesa do Consumidor, quando ocorrer “extensão das obrigações dos sócios”. Desconsideração inversa: é atingir bens de uma outra Pessoa Jurídica que mantém confusão patrimonial e desvio de finalidade com a Pessoa Jurídica devedora. Nesse sentido, o mero fato haver um grupo econômico não configura desconsideração inversa.
A recente reforma da lei 11.101/05, pela lei 14.112/20, reiterou o postulado da autonomia patrimonial, como se depreende do seu art. 6º-C:
Art. 6º-C. É vedada atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas por esta lei.
A disposição do artigo deixa claro, entende-se que principalmente para a flexibilização adotada na justiça trabalhista, que o inadimplemento de obrigações do recuperando ou do falido não permite por si só, a desconsideração para atingir bens de terceiros, normalmente dos sócios e/ou administradores da sociedade empresária. Entretanto a desconsideração não está vedada, a lei apenas limita-se a dizer que o inadimplemento não é fundamento suficiente para a desconsideração.
O artigo 82 da Lei 11.101/2005, introduzido pela Lei 14.112/2020 diz que:
Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
Este artigo foi introduzido na Lei 11.101/2005 com o objetivo de prever a ação cabível em caso de responsabilidade dos sócios de responsabilidade ilimitada e dos controladores e administradores da sociedade falida, onde o administrador da sociedade não será obrigatoriamente sócio.
O texto fala em responsabilidade estabelecida nas respectivas leis, ou seja não há alteração de responsabilidade das pessoas mencionadas no artigo, caso do art 1059 CC/2002 de responsabilidade limitada e do art . 117 e 158 da Lei 6404/1976 de sociedades anônimas.
Havendo responsabilidade das pessoas, não importa as razões pelo artigo, pode ocorrer pelas mais diversas razões.
A ação poderá ser ajuizada independentemente de terem sido vendidos os bens arrecadados e da prova de insuficiência para os credores habilitados.
O controlador terá sua responsabilidade aferida com base nos arts 116, 117 e 246 da Lei 6404/1976 ou 1080 do CC . Os diretores e os membros do Conselho de Administração serão responsabilizados com fundamento nos arts 157 e 159 da Lei das S.A. ou art.1011 e 1016 do CC.
O Novo Código de Processo Civil operou mudanças em relação ao procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, e trouxe, entre outros, a desnecessidade de propositura de ação autônoma e a desconsideração inversa da personalidade jurídica.
A responsabilização se dá por ação de rito ordinário ou comum (art.319 e ss. do CPC 2015), por meio de inicial distribuída ao juiz da falência (art.78, parágrafo único Lei 11.101/2005).
Caso diretores, administradores, controladores pratiquem atos lesivos aos credores será proposta ação de responsabilidade pelo rito ordinário, pois estes estarão legitimados para o polo passivo, sejam ou não sócios do falido.
A desconsideração somente poderá ser decretada pelo juízo falimentar, observado o artigo 50 do Código Civil. Muitas discussões vêm se firmando à respeito, pois se não for pelo juiz da falência não haverá desconsideração. Há uma corrente que defende o entendimento de que o artigo se destina apenas a dizer que, quando o juiz da falência desconsiderar, somente poderá fazê-lo com fundamento no art.50 CC.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não dissolve a pessoa jurídica.
Para impedir a consumação de fraude e abusos do direito, a desconsideração da personalidade jurídica afasta a autonomia patrimonial da sociedade empresária para acessar o patrimônio dos sócios e vincular a responsabilidade destes.
A requerimento da parte ou do Ministério Público, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica.
Assim, entende-se que o correto é conciliar o art 6ºC com o artigo 82-A da Lei 11.101/2005, interpretando-se da seguinte forma: o juiz da falência somente pode aplicar a desconsideração da personalidade jurídica observando o artigo 50 do Código Civil Brasileiro e, qualquer outro juiz (trabalhista, fiscal, cível, etc.) poderá aplicar a desconsideração também observando rigorosamente o artigo 50 do Código Civil.