Resumo:
O presente artigo analisa os principais desafios enfrentados pelas empresas em processo de recuperação judicial em razão, principalmente, da necessidade de maior agilidade no trâmite do processo, e de outros fatores, vis-à-vis ao disposto no Artigo 47, da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que, textualmente, explicita: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Muito embora a legislação da recuperação judicial, e em particular o Artigo 47 da Lei 11.101/2005, deixar claro que seu objetivo primeiro é a viabilização e a superação da crise econômico-financeira da empresa, a necessidade de maior agilidade no trâmite do processo recuperacional, a inexistência de fóruns especializados em direito empresarial em algumas regiões do País e as decisões proferidas pelos tribunais trabalhistas, muitas vezes ignorando o plano de recuperação aprovado pela assembleia geral de credores (AGC), são fatores que oneram o processo da recuperação judicial. O artigo discute essas questões e propõe medidas para otimizar o processo.
Palavras-chave:
Recuperação Judicial; Função Social da Empresa; Desafios
- Introdução:
A recuperação judicial, a partir do advento da Lei 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, constitui-se em um mecanismo essencial para a reestruturação de empresas em crise, visando preservar sua função social e garantir a continuidade das atividades empresariais. No entanto, o processo colocado em prática defronta-se com alguns fatores que o oneram, tais como a necessidade de maior agilidade no rito processual, que, se não obtida, retarda a implementação de medidas essenciais para a recuperação econômico-financeira da empresa.
Além disso, a inexistência de fóruns especializados em direito empresarial em várias regiões do País e as decisões proferidas pelos tribunais trabalhistas, também colaborando para a lentidão do trâmite judicial, impactam negativamente o processo dificultando a superação da crise econômico-financeira, colocando em risco o próprio atingimento do objetivo que norteou o normativo em questão.
- Metodologia:
O presente artigo pautou-se em pesquisas bibliográficas e na experiência do articulista na condução de um processo de recuperação judicial de uma empresa de grande porte homologada em uma vara cível.
- Resultados e Discussão:
3.1. A Lei 11.101/2005 e Seu Propósito Primeiro
O Artigo 47 da Lei nº 11.101/2005 estabelece a finalidade da recuperação judicial e extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro. O dispositivo enfatiza que a recuperação de uma empresa deve buscar a preservação da atividade econômica, reconhecendo sua importância não apenas para os sócios e credores, mas, sobretudo, para a sociedade como um todo.
A preservação da empresa é o princípio central deste artigo, pois a continuidade das atividades empresariais é essencial para a geração de riqueza, circulação de bens e serviços e arrecadação de tributos. Dessa forma, o instituto da recuperação judicial objetiva viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa, permitindo que ela continue operando de maneira sustentável.
Outro aspecto relevante é a função social da empresa. Ao garantir sua continuidade, a legislação protege não apenas os interesses particulares dos credores, mas também os impactos que uma eventual falência pode gerar na coletividade. O encerramento abrupto de uma atividade empresarial pode afetar fornecedores, clientes e demais agentes do mercado, causando desequilíbrios econômicos locais e setoriais.
A manutenção dos empregos também é uma preocupação expressa no artigo 47. A continuidade da empresa permite que os trabalhadores não sejam abruptamente dispensados, preservando sua fonte de renda e evitando impactos negativos na economia. Isso reforça o caráter social da norma, que busca equilibrar os interesses empresariais com a proteção dos direitos trabalhistas.
Além disso, o dispositivo menciona a importância do pagamento dos credores, que devem receber seus créditos observando a capacidade de pagamento da empresa em recuperação. O objetivo é evitar que a insolvência prejudique significativamente terceiros, assegurando a estabilidade econômica do ambiente de negócios.
Por fim, o Artigo 47 sintetiza a filosofia da recuperação judicial: viabilizar a continuidade da atividade produtiva como alternativa à falência, promovendo a estabilidade social e econômica. Esse mecanismo permite que empresas viáveis superem dificuldades temporárias, contribuindo para um sistema mais equilibrado e sustentável.
3.2. O Impacto da Morosidade do Processo na Recuperação Judicial
Para alcançar os objetivos previstos na recuperação judicial de uma empresa a lei prevê um conjunto de medidas, tais como, dentre outras, a elaboração de um plano de recuperação, a suspensão de ações executivas e a possibilidade de renegociação de dívidas. No entanto, a menor celeridade do trâmite processual tem se mostrado um obstáculo significativo para a efetivação dessas medidas.
A demora na análise de pedidos e na concessão de decisões essenciais ao processo de recuperação impedem que a empresa execute com eficiência sua reestruturação. A lentidão nessas decisões judiciais, especialmente em casos complexos como os de recuperação judicial, pode levar a um prolongamento da crise financeira da empresa, comprometendo sua capacidade de recuperação.
A suspensão de execuções se não for efetivada tempestivamente, por exemplo, pode resultar em perda de ativos essenciais para a continuidade das atividades da empresa, inviabilizando o processo logo em seu início.
A crise da empresa viável pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os empreendedores e investidores que empregam capital no seu desenvolvimento, como para credores e, em alguns casos, num encadear de sucessivas crises, também para outros agentes econômicos. O efeito da crise, por conseguinte, não ficará restrito exclusivamente ao entre empresarial, tendo um alcance social maior e afetando a atividade econômica.
Em síntese, a crise quando se estala em uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, desabastecimento de produtos ou serviços, diminuição na arrecadação de impostos, e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo, nacional.
Se partirmos do pressuposto que a organização se configura como um fenômeno econômico, que gera impactos que ultrapassam a esfera jurídica, torna-se notório que o declínio da empresa proporcionará uma repercussão significativa sobre a economia e a sociedade. Em outras palavras, uma empresa faz parte de um sistema e, como tal, sua deterioração afeta este sistema na medida de seu tamanho e importância para ele.
Um processo de recuperação econômico-financeira de uma empresa não pode demorar a se processar por várias razões críticas, dentre elas, destacam-se:
- Deterioração da Situação Financeira: Quanto mais tempo a empresa demora para se recuperar, maior é o acúmulo de dívidas, juros e multas, com reflexos negativos em seu fluxo de caixa, o que pode levar a uma situação financeira insustentável, dificultando ainda mais a sua recuperação. Caso a empresa não consiga pagar suas obrigações (como salários, fornecedores e empréstimos), ela pode entrar em insolvência. A falta de liquidez imediata pode levar à paralisação das operações.
- Perda de Credibilidade: A demora na recuperação pode afetar a confiança de credores, investidores, fornecedores e clientes, resultando em dificuldades para obter crédito, insumos ou manter relações comerciais.
- Desvalorização de Ativos: Com o tempo, ativos da empresa podem perder valor (como estoques, equipamentos ou propriedades), reduzindo o patrimônio líquido e a capacidade de gerar receita ou garantir empréstimos.
- Perda de Recursos Humanos: Funcionários qualificados podem deixar a empresa em busca de estabilidade em outras organizações, resultando em perda de conhecimento e produtividade.
- Favorecimento à Concorrência: Enquanto a empresa está em dificuldades, os concorrentes podem ganhar mercado, capturar clientes e fortalecer sua posição, tornando mais difícil a recuperação da empresa.
- Custos Operacionais Contínuos: Mesmo em crise, a empresa continua tendo despesas fixas (salários, aluguéis etc.), e a falta de receita adequada pode levar a um fluxo de caixa negativo insustentável.
- Risco da Convolação da Recuperação Judicial em Falência: Se a recuperação não for ágil, a empresa pode entrar em processo de falência, o que pode resultar na liquidação de seus ativos e no fim das operações.
- Impacto na Cadeia Produtiva: A demora pode afetar fornecedores e parceiros comerciais, gerando um efeito cascata negativo em toda a cadeia produtiva.
- Regulamentações e Prazos Legais: Em processos de recuperação judicial, por exemplo, há prazos legais a serem cumpridos. A demora pode levar ao descumprimento desses prazos, resultando em penalidades ou até na conversão do processo em falência.
- Desgaste da Marca: A imagem da empresa pode ser prejudicada, especialmente se a crise se tornar pública, afetando a percepção dos clientes e a fidelidade à marca.
Portanto, a agilidade no processo de recuperação é essencial para minimizar danos, restaurar a confiança e garantir a continuidade dos negócios, o que vai ao encontro do objetivo primeiro da Lei 11.101/2005.
3.3. A Inexistência de Fóruns Especializados em Direito Empresarial
A ausência de varas especializadas em direito empresarial contribui para a morosidade do processo de recuperação judicial. Juízes sem formação específica nesse ramo do direito frequentemente enfrentam dificuldades para compreender a complexidade dos planos de recuperação, resultando em decisões demoradas e, muitas vezes, desalinhadas com a realidade empresarial.
“A especialização é uma tendência mundial que busca dar tratamento uniforme à aplicação da lei, com impactos também na tramitação processual. A recuperação judicial é um processo muito complexo, com várias fases, e o juízo especializado é melhor porque o juiz, o promotor e os serventuários se dedicam às questões próprias da recuperação”, afirma a pesquisadora colaboradora do Centro do Judiciário Renata Braga.
Levantamento feito pelo Anuário da Justiça, em 2024, constatou a existência de 84 varas especializadas em Direito Empresarial ou de Insolvência em 16 estados, quantidade insuficiente para o número de pedidos de recuperação judicial que historicamente vem sendo registrado. (vide figura 1 abaixo).
Figura 1
A especialização judiciária em matérias de Direito Empresarial é uma recomendação, desde 2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para todos os tribunais do território nacional, o que ainda está longe de ser alcançado. Tal recomendação (nº 56/ 2019) prescreve aos Tribunais de Justiça que promovam a especialização de varas e a criação de câmaras ou turmas especializadas em falência, recuperação empresarial e outras matérias afins.
Segundo a recomendação do CNJ, os fundamentos para essa iniciativa foram: (i) a gravidade dos prejuízos decorrentes da “aplicação ineficaz das ferramentas legais do sistema de insolvência empresarial” (por exemplo, encerramento de empresas viáveis, extinção de empregos etc.); e (ii) a evidência científica de que “varas especializadas em recuperação empresarial e falência são significativamente mais eficientes (…) do que as varas de competência comum cumulativa”.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por exemplo, que concentra boa parte dos processos envolvendo empresas, concluiu o projeto de expansão de varas na área empresarial em todas as Regiões Administrativas Judiciárias (RAJs). Isso consolidou a Justiça paulista como um modelo de especialização na matéria, o que faz muita diferença em prol do objetivo de recuperar empresas viáveis que, momentaneamente, passam por problemas resultantes da dinâmica do mercado e de suas deficiências administrativas.
A apresentação de um processo de recuperação judicial em um fórum cível, na ausência de um fórum empresarial especializado na região da formalização do pedido de recuperação judicial, pode dificultar o processo por várias razões, dentre elas:
- Falta de Especialização: Juízes e servidores de fóruns cíveis podem não ter a expertise necessária para lidar com as complexidades específicas da recuperação judicial, que envolve questões empresariais, financeiras e legais especializadas. Isso pode levar a decisões menos embasadas tecnicamente e a um processo mais lento.
- Volume de Casos: Fóruns cíveis geralmente lidam com uma grande variedade de casos, o que pode resultar em uma sobrecarga de trabalho. Isso pode levar a atrasos no processamento e na análise do caso de recuperação judicial, que já é por natureza um processo complexo e urgente.
- Procedimentos e Prazos: A recuperação judicial segue procedimentos e prazos específicos que podem não ser bem compreendidos ou priorizados em um fórum cível. Isso pode resultar em atrasos e em uma aplicação menos eficiente das normas legais pertinentes.
- Coordenação com Outras Áreas: A recuperação judicial frequentemente requer coordenação com outras áreas do direito, como o direito tributário, trabalhista e falimentar. Em um fórum cível, essa coordenação pode ser menos eficiente, dificultando a resolução de questões interdisciplinares que surgem durante o processo.
- Menor Sensibilidade às Necessidades Empresariais: Juízes de fóruns cíveis podem não estar tão familiarizados com as necessidades e urgências do mundo empresarial, o que pode resultar em decisões que não levam em conta a importância de manter a empresa em funcionamento durante o processo de recuperação.
- Recursos Limitados: Fóruns cíveis podem não dispor dos recursos necessários para lidar adequadamente com as demandas de um processo de recuperação judicial, como a necessidade de análises financeiras detalhadas e a gestão de credores.
Em resumo, a falta de um fórum empresarial especializado pode levar a ineficiências, atrasos e decisões menos adequadas, dificultando o processo de recuperação judicial e, consequentemente, a reestruturação e a sobrevivência da empresa.
Portanto, entende-se que a criação de um fórum especializado em direito empresarial, com juízes experientes e capacitados para lidar com questões complexas de recuperação judicial, poderia agilizar o trâmite do processo decisório e garantir decisões mais técnicas e fundamentadas na realidade empresarial.
Além disso, a especialização dos juízes permitiria uma maior compreensão dos aspectos econômicos e financeiros envolvidos na recuperação judicial, contribuindo para a preservação da empresa e a manutenção dos empregos.
3.4. O Papel dos Tribunais Trabalhistas na Recuperação Judicial
Os tribunais trabalhistas, ao priorizarem a satisfação imediata dos créditos trabalhistas, muitas vezes desconsideram o plano de recuperação aprovado na Assembleia Geral de Credores (AGC). Decisões que determinam bloqueios de bens e valores, desconstituindo, inclusive a personalidade jurídica, sem respeitar as regras do plano, inviabilizam a reestruturação da empresa e podem levá-la à falência.
É fundamental que haja maior alinhamento entre os juízos trabalhistas e o juízo da recuperação judicial, garantindo que a empresa possa cumprir o plano sem sofrer interferências externas que comprometam sua execução.
Os tribunais trabalhistas também têm um papel significativo no processo de recuperação judicial, mas suas ações muitas vezes são prejudiciais à recuperação da empresa. Em muitos casos, os tribunais trabalhistas ignorando o plano de recuperação judicial aprovado, determinam o pagamento de verbas trabalhistas em desacordo com as condições estabelecidas no plano. Isso pode comprometer a viabilidade financeira da empresa e inviabilizar sua recuperação.
A falta de coordenação entre a justiça comum e a justiça do trabalho é um problema grave que precisa ser enfrentado. A recuperação judicial é um processo complexo que envolve a renegociação de dívidas com diversos credores, incluindo os trabalhadores. A atuação descoordenada dos tribunais trabalhistas pode levar a decisões conflitantes e prejudiciais à recuperação da empresa, comprometendo o objetivo da Lei 11.101/2005.
A morosidade no rito do processo, com visto acima neste artigo, tem impactos diretos e indiretos na recuperação judicial de empresas, gerando incertezas pela demora nas decisões podendo afastar investidores e parceiros comerciais, dificultando a obtenção de recursos necessários para a recuperação da empresa.
Além disso, essa morosidade pode levar ao aumento dos custos do processo de recuperação judicial, incluindo honorários advocatícios, custas processuais e despesas com peritos e consultores. Esses custos adicionais podem comprometer ainda mais a situação financeira da empresa, dificultando sua recuperação.
Para superar os desafios enfrentados pela recuperação judicial, é necessário promover reformas no sistema judiciário brasileiro. A criação de um fórum especializado em direito empresarial, com juízes experientes e capacitados, é uma medida essencial para agilizar o processo decisório e garantir decisões mais adequadas e eficazes. Além disso, é necessário promover uma maior coordenação entre a justiça comum e a justiça do trabalho, para evitar decisões conflitantes e prejudiciais à recuperação da empresa.
Outra medida importante é a adoção de práticas de gestão de processos judiciais, como a priorização de casos de recuperação judicial e a utilização de tecnologias para agilizar o andamento dos processos. A implementação de sistemas eletrônicos de processamento de dados e a utilização de videoconferências para a realização de audiências e julgamentos podem contribuir para a redução da morosidade judicial.
- Conclusão:
A recuperação econômico-financeira de uma empresa requer celeridade do rito processual da recuperação judicial. A morosidade na análise dos processos, a falta de especialização do Judiciário e as ações agressivas dos tribunais trabalhistas são obstáculos que dificultam o cumprimento do artigo 47 da Lei 11.101/2005.
Para que a recuperação judicial seja efetiva, é essencial que o Poder Judiciário atue de maneira célere, técnica e coordenada, garantindo que as empresas em crise tenham uma real oportunidade de se reerguer.
Ratificando, o artigo 47 da Lei 11.101/2005 estabelece que o objetivo da recuperação judicial é viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da empresa, dos empregos e dos interesses dos credores. No entanto, a morosidade da justiça brasileira, as ações dos tribunais trabalhistas e a falta de especialização dos tribunais em questões empresariais têm se mostrado entraves significativos para a efetivação desse objetivo.
Para superar esses desafios, é necessário promover reformas no sistema judiciário brasileiro, incluindo a criação de um fórum especializado em direito empresarial, a adoção de práticas de gestão de processos judiciais e a promoção de uma maior coordenação entre a justiça comum e a justiça do trabalho. Somente com essas medidas será possível garantir a efetivação do objetivo da Lei 11.101/2005 e a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
- Referências:
- BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2005.
- COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: falência e recuperação de empresas. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
- SILVA NETO, Adelino, “Nova Recuperação Judicial e a Falência”, 1ª ed., Brasília, DF.