A classificação e preferência dos créditos trabalhistas são cruciais para determinar a ordem de pagamento desses créditos em processos de insolvência, como recuperação judicial e falência. No Brasil, os créditos trabalhistas têm prioridade sobre outros tipos de crédito, assegurando que os trabalhadores recebam seus direitos essenciais, como salários e benefícios, antes dos demais credores. Na recuperação judicial, os créditos trabalhistas são pagos até o limite de 150 salários mínimos por trabalhador, garantindo uma proteção mínima. Na falência, esses créditos têm preferência sobre credores quirografários e subordinados, respeitando a hierarquia estabelecida pela Lei nº 11.101/2005. No entanto, a distribuição dos recursos da massa falida pode não ser suficiente para quitar integralmente todos os créditos trabalhistas devidos, o que pode resultar em pagamentos parciais.
Introdução
A recuperação judicial representa um mecanismo crucial no ordenamento jurídico brasileiro para reabilitar empresas em dificuldades financeiras, preservando empregos e fomentando a atividade econômica. No entanto, a complexidade do processo exige uma análise detalhada das categorias de créditos trabalhistas e dos critérios de sua habilitação, especialmente diante da possibilidade de habilitação tardia de créditos.
Este artigo se propõe a examinar a classificação dos créditos trabalhistas na recuperação judicial, com ênfase na análise da habilitação retardatária, à luz do julgamento proferido no Recurso Especial 1.840.166 – RJ pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O estudo aborda a importância da correta classificação desses créditos, conforme estabelecido pela legislação brasileira, e os impactos das decisões judiciais recentes e das reformas legislativas pertinentes.
Ab nitio, serão delineadas as principais categorias de créditos trabalhistas, abrangendo desde os créditos típicos até os decorrentes de acidentes de trabalho, sub-rogados e cedidos, destacando suas particularidades e a ordem de prioridade estabelecida para o pagamento durante o processo de recuperação judicial. Em seguida, será discutida a problemática da habilitação retardatária de créditos trabalhistas, considerando as implicações jurídicas e econômicas dessa prática no contexto da insolvência empresarial.
Além disso, serão analisadas as repercussões significativas na legislação brasileira de recuperação judicial, especialmente no que tange à classificação e ao tratamento dos créditos cedidos. Por fim, serão apresentadas as conclusões deste estudo, ressaltando a relevância da interpretação adequada das normas legais para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores e a eficácia dos procedimentos de recuperação judicial.
1. Classificação dos créditos trabalhistas na recuperação judicial e falência
A classificação dos créditos trabalhistas constitui um aspecto fundamental tanto na recuperação judicial quanto na falência de empresas, determinando a ordem de preferência e o tratamento desses créditos no processo de insolvência.
Este capítulo visa explorar os principais aspectos dessa classificação, abordando tanto os créditos típicos quanto aqueles decorrentes de situações especiais, como acidentes de trabalho e créditos sub-rogados.
1.1 Créditos Trabalhistas: Definição e Tipologia
O conceito de créditos trabalhistas à luz da legislação brasileira, abrange não apenas os créditos decorrentes da relação de trabalho formal, mas também aqueles resultantes de outras obrigações trabalhistas. Será destacada a importância de cada tipo de crédito na garantia dos direitos dos trabalhadores durante processos de insolvência empresarial.
Os créditos trabalhistas são aqueles oriundos da relação de trabalho, abrangendo salários, férias, 13º salário, FGTS, indenizações por rescisão contratual, entre outros. Estes créditos são considerados prioritários devido à natureza alimentar e ao caráter essencial da remuneração para o sustento dos trabalhadores e suas famílias.
1.1.1 Tipologia dos Créditos Trabalhistas
Serão identificados e discutidos os diferentes tipos de créditos trabalhistas reconhecidos, incluindo:
a) Salários e Vencimentos: são os créditos referentes aos salários e demais vencimentos devidos ao trabalhador.
b) Horas Extras e Adicionais: são os créditos relacionados às horas extras e adicionais devidos por trabalho extraordinário.
c) Férias e Décimo Terceiro Salário: são os créditos correspondentes às férias remuneradas e ao décimo terceiro salário, benefícios garantidos por lei aos trabalhadores.
d) Indenizações e Verbas Rescisórias: são as indenizações por rescisão contratual, como aviso prévio, multa do FGTS, e demais verbas rescisórias devidas em casos de término do contrato de trabalho.
e) Créditos por Acidente de Trabalho: são os créditos decorrentes de acidentes de trabalho, como pensões por invalidez, auxílio-acidente, entre outros direitos trabalhistas relacionados à saúde e segurança do trabalhador.
1.2 Classificação e Preferência dos Créditos Trabalhistas na Recuperação Judicial e Falência
A classificação e preferência dos créditos trabalhistas na recuperação judicial e falência são fundamentais para determinar a ordem de pagamento durante esses processos de insolvência.
A Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação Judicial e Falência, estabelece uma hierarquia específica para os créditos trabalhistas, visando proteger os direitos dos trabalhadores em relação aos demais credores. Os principais pontos são:
1.2.1 Hierarquia de Classificação dos Créditos Trabalhistas
a) Créditos Trabalhistas Privilegiados: Incluem os salários e verbas rescisórias devidos aos empregados, limitados a 150 salários mínimos por credor trabalhista. Esses créditos têm preferência sobre os demais créditos na ordem de pagamento.
b) Créditos Trabalhistas Quirografários: São aqueles que não possuem privilégio especial e são pagos após os créditos trabalhistas privilegiados, mas antes dos demais credores quirografários.
c) Créditos Trabalhistas Subordinados: São os créditos trabalhistas com subordinação em relação a outras modalidades de crédito, como aqueles decorrentes de sócios e administradores.
1.2.2 Preferência na Ordem de Pagamento
Durante o processo de recuperação judicial, os créditos trabalhistas privilegiados têm preferência absoluta sobre os demais créditos, assegurando que os direitos básicos dos trabalhadores sejam atendidos antes dos interesses de outros credores. Essa preferência reflete a proteção especial conferida pela legislação brasileira aos direitos trabalhistas.
Na falência, a hierarquia de pagamento dos créditos é rigidamente seguida, garantindo que os créditos trabalhistas sejam pagos antes de outros credores quirografários e subordinados. Isso é essencial para proteger os direitos básicos dos trabalhadores, como salários e benefícios. A Lei nº 11.101/2005 estabelece que os créditos trabalhistas, até o limite de 150 salários mínimos por credor, têm prioridade sobre outros créditos na distribuição dos recursos da massa falida.
É importante notar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 449, § 1º, estabelece que “na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado, considerando-se, portanto, como crédito trabalhista privilegiado tanto as verbas salariais quanto as verbas indenizatórias a que tiver direito”.
Esta disposição não foi revogada pelo art. 83, I, da Lei nº 11.105/2005, que apenas derrogou a parte que se refere à limitação de 150 salários mínimos para salários e indenizações, conforme a abrangência da expressão “créditos derivados da legislação do trabalho” contida neste último dispositivo legal.
Nesse sentido, é pertinente citar o entendimento doutrinário que destaca:
…os créditos trabalhistas têm prioridade até o limite de 150 salários mínimos por credor. O valor que exceder essa quantia será classificado como quirografário (art. 83, VI, c), resultando na derrogação da norma do art. 449, § 1º, da CLT, que anteriormente garantia privilégios à totalidade dos créditos provenientes de salários e indenizações trabalhistas…
(Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenação Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 361).
Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reiterado que verbas indenizatórias, como multas e horas extras, têm natureza salarial e devem ser classificadas como crédito trabalhista privilegiado no processo de falência. Isso se justifica para evitar violação ao art. 449, § 1º, da CLT. Exemplo disso pode ser observado nos precedentes do STJ, excerto:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. MULTAS. INCLUSÃO. POSSIBILIDADE. LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE. REEXAME FÁTICO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A necessidade de produção de laudo pericial, conforme estabelecem os arts. 9º, II, e 12 da Lei nº 11.101/2005, é uma mera faculdade a ser avaliada no caso concreto, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 2. As verbas indenizatórias, como multas, têm natureza salarial e devem ser classificadas como crédito prioritário trabalhista. Precedentes do STJ. 3. Agravo interno não provido.” (AgInt no AREsp 190.880/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 02/09/2016)
“PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. FALIDA. ISENÇÃO DE CUSTAS. ART. 208 DO DL Nº 7.661/45. NÃO INCIDÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. INCIDÊNCIA AUTOMÁTICA. INEXISTÊNCIA. PEDIDO. MOMENTO. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. MULTAS. INCLUSÃO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, III, 25, §3º, E 208 DO DL Nº 7.661/45, 2º E 4º DA LEI Nº 1.060/50; E 449, § 1º, 467 E 477, § 8º, DA CLT. (…) 6. As verbas indenizatórias, como multas e horas extras, têm natureza salarial e, portanto, devem ser classificadas como crédito prioritário trabalhista no processo de falência, sob pena de violação do art. 449, § 1º, da CLT. 7. Recurso especial não provido.” (REsp 1395298/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 18/03/2014)
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.ACÓRDÃOS PARADIGMAS. JUSTIÇA ESPECIALIZADA. INADMISSIBILIDADE. MASSA FALIDA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO TRABALHISTA. MULTAS E HORAS EXTRAS.CARÁTER INDENIZATÓRIO. CRÉDITO PRIORITÁRIO. INCLUSÃO. POSSIBILIDADE.NÃO PROVIMENTO.
(…)
2. ‘As verbas indenizatórias, como por exemplo, multas e horas extras, possuem natureza salarial e, portanto, devem ser classificadas, no processo de falência, como crédito prioritário trabalhista, sob pena de violação do art. 449, § 1º, da Consolidação das Leis Trabalhistas.’ (REsp 1051590/GO, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 10/12/2009) 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 1344635/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 28/11/2012 )
No mesmo sentido, a jurisprudência do TJDFT:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA – FALÊNCIA – CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – MULTA ART. 467 E 477 DA CLT – CARÁTER INDENIZATÓRIO – CRÉDITO PRIVILEGIADO – DECISÃO CONFIRMADA. 1. Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência e recuperação judicial e constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito. Inteligência do Art. 449, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho. 2. A limitação do crédito trabalhista ao teto de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, prevista no Art. 83, inciso I, da Lei n. 11.101/2005, não enseja a revogação do §1º do Art. 449 da CLT, mas apenas a sua derrogação quanto ao termo ?totalidade? de forma a subsistir o privilégio conferido aos salários devidos ao empregado e às indenizações a que tiver direito no limite legal. 3. As multas previstas nos artigos 467 e 477, §8º da CLT derivam de relação de emprego sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho e possuem nítido caráter indenizatório, porquanto revertem ao trabalhador. Referidas multas buscam ressarcir prejuízos materiais do empregado que deixou de receber as verbas trabalhistas no prazo legal. Precedentes jurisprudenciais. 4. Recurso desprovido.” (grifei)
Contudo, a ordem de preferência dos créditos na falência visa assegurar que os credores sejam pagos de maneira justa e equitativa, respeitando as garantias e privilégios legais de cada tipo de crédito. É importante notar que, em muitos casos, os recursos disponíveis na massa falida não são suficientes para quitar todos os créditos, o que pode levar a um pagamento parcial ou proporcional aos credores.
Embora os créditos trabalhistas tenham preferência legal, existem limitações quanto ao valor máximo que pode ser pago como crédito privilegiado, além de exceções e casos específicos que podem influenciar a aplicação desta hierarquia na prática.
1.4 Comparativo entre Recuperação Judicial e Falência: Impactos na Classificação dos Créditos Trabalhistas
Realizado um comparativo entre a classificação dos créditos trabalhistas na recuperação judicial e na falência, identificando as diferenças essenciais no tratamento desses créditos em cada modalidade de insolvência empresarial. Serão destacadas as vantagens e desvantagens de cada procedimento para os trabalhadores, bem como os aspectos legais que regem a distribuição de recursos disponíveis em situações de crise empresarial.
1.4.1 Recuperação Judicial:
A recuperação judicial visa à superação da situação de crise econômico-financeira da empresa, permitindo sua reestruturação e continuidade das atividades.
Os créditos trabalhistas são considerados créditos extraconcursais durante a fase de recuperação judicial, o que significa que não participam do plano de recuperação e devem ser pagos integralmente.
Após a aprovação do plano de recuperação judicial, os créditos trabalhistas passam a ter privilégio geral, assegurando-lhes preferência no pagamento em relação aos demais créditos quirografários e subordinados.
Durante a recuperação judicial, os contratos de trabalho são mantidos, e os créditos trabalhistas acumulados durante esse período são habilitados no processo de recuperação.
1.4.2 Falência:
A falência implica na liquidação do patrimônio do devedor para o pagamento de seus credores, visando encerrar suas atividades empresariais de forma ordenada.
Os créditos trabalhistas têm privilégio sobre os demais créditos na falência, assegurando-lhes prioridade no recebimento.
Os créditos trabalhistas são habilitados no processo falimentar e participam do rateio dos bens do falido conforme sua classificação (privilegiados, quirografários, subordinados).
A falência implica na extinção automática dos contratos de trabalho, o que pode gerar créditos trabalhistas a serem habilitados no processo falimentar.
1.4.3 Impactos na Classificação dos Créditos Trabalhistas:
Enquanto na recuperação judicial os créditos trabalhistas são tratados como extraconcursais durante a fase de reestruturação e adquirem privilégio geral após a aprovação do plano, na falência eles têm prioridade desde o início do processo, refletindo a natureza de liquidação do patrimônio do devedor.
Ambos os regimes visam proteger os direitos dos trabalhadores, garantindo o pagamento dos créditos trabalhistas de acordo com a ordem legal estabelecida.
1.5 Análise da Decisão do REsp 1.840.166 – RJ e suas Implicações na Habilitação Tardia de Créditos Trabalhistas
É fundamental destacar que, de acordo com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a classificação de créditos como concursais depende da data do fato gerador, não da admissão, término do contrato ou de outras datas processuais subsequentes.
O Tema 1051 do STJ estabelece que os créditos cujos fatos geradores ocorrem antes da data do pedido de recuperação judicial são considerados concursais e, portanto, passíveis de habilitação na Classe 1.
Geralmente, decisões como essa envolvem questões relacionadas à interpretação da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005) no que diz respeito aos prazos e condições para habilitação de créditos trabalhistas.
A decisão do STJ pode ter clarificado ou modificado entendimentos anteriores sobre os prazos e requisitos para a habilitação de créditos trabalhistas em processos de recuperação judicial ou falência.
A análise da decisão é fundamental para entender como o tribunal interpretou a legislação aplicável e se houve alguma mudança na interpretação de prazos e procedimentos para a habilitação tardia de créditos trabalhistas.
A decisão pode estabelecer um precedente importante para casos futuros envolvendo habilitação tardia de créditos trabalhistas, influenciando a prática judicial e administrativa.
É crucial avaliar se a decisão fortalece ou restringe os direitos dos credores trabalhistas em processos de recuperação judicial ou falência, garantindo-lhes uma proteção efetiva.
O REsp 1.840.166 – RJ foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). É importante verificar o acórdão específico para entender o contexto fático e jurídico que envolveu a decisão, senão vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO RETARDATÁRIA DE CRÉDITO TRABALHISTA. TERMO FINAL DE APRESENTAÇÃO. SENTENÇA DE ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE SOERGUIMENTO. 1. Ação ajuizada em 31/8/2016. Recurso especial interposto em 26/2/2019. Autos conclusos à Relatora em 25/9/2019. 2. O propósito recursal é estabelecer o prazo final para habilitação retardatária de crédito na recuperação judicial. 3. Uma vez homologado o quadro-geral de credores (como ocorrido no particular), a única via para o credor pleitear a habilitação de seu crédito é a judicial, mediante a propositura de ação autônoma que tramitará pelo rito ordinário e que deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional. 4. Na espécie, o acórdão recorrido foi expresso ao reconhecer que o pedido de habilitação foi formulado quando a recuperação judicial já havia se findado, de modo que não há razão apta a ensejar o acolhimento da pretensão do recorrente, que deve se utilizar das vias executivas ordinárias para buscar a satisfação de seu crédito. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.”
A análise detalhada da decisão do REsp 1.840.166 – RJ permite compreender suas implicações na habilitação tardia de créditos trabalhistas, contribuindo para a interpretação adequada da legislação e para o entendimento dos direitos dos trabalhadores frente às adversidades econômico-financeiras das empresas em crise.
No mesmo acórdão a relatora MINISTRA NANCY ANDRIGHI aduz que:
… “De acordo com o art. 7º, parágrafo único, da Lei de Falência e Recuperação de Empresas, os credores da recuperanda têm o prazo de 15 dias para apresentar, perante o administrador judicial, a habilitação de seus créditos, a contar da publicação do edital previsto no art. 52, § 1º, da LFRE. Uma vez publicada a nova relação de credores, prevista no § 2º do artigo 7º da lei mencionada, qualquer interessado poderá impugná-la em juízo, no prazo de 10 dias contados da data daquela publicação (art. 8º da LFRE). Ultrapassados esses prazos, o credor não incluído na relação elaborada pelo administrador judicial poderá apresentar pedido de habilitação retardatária. Se o requerimento for protocolado antes da homologação do quadro-geral, será processado na forma dos arts. 13 a 15 da LFRE; caso contrário, o procedimento a ser seguido será o ordinário, previsto no Código de Processo Civil (arts. 10, §§ 5º e 6º, da LFRE). Isso significa que, uma vez homologado o quadro-geral de credores (como ocorrido no particular), a única via para o credor pleitear a habilitação de seu crédito é a judicial, mediante a propositura de ação que tramitará pelo rito ordinário e que deve ser ajuizada até a prolação da decisão de encerramento do processo recuperacional…” grifei.
No mesmo sentido MARCELO BARBOSA SACRAMONE possui entendimento:
“Após a homologação do quadro-geral de credores, por sentença, as habilitações retardatárias ainda poderão ocorrer até o encerramento do processo de falência ou de recuperação judicial. As habilitações serão realizadas na forma de ações rescisórias ao quadro-geral de credores e serão submetidas ao procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.(Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018)”
Assim sendo, uma vez encerrada a recuperação judicial, não é mais possível permitir a habilitação ou retificação de créditos. Esta restrição é considerada um imperativo lógico para evitar que a inatividade do recorrente prejudique os demais credores e o processo de recuperação da empresa. Tal posição visa garantir o respeito aos princípios da razoável duração do processo, eficiência e segurança jurídica.
No caso específico mencionado, o acórdão recorrido afirmou claramente que o pedido de habilitação foi feito após o encerramento da recuperação judicial. Portanto, não há base para acolher a pretensão do recorrente nesse contexto. Este deve recorrer às vias executivas ordinárias para buscar a satisfação de seu crédito.
Conclusão
A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.840.166 – RJ trouxe importantes reflexões e definições no âmbito da habilitação tardia de créditos trabalhistas em processos de recuperação judicial e falência. Ao analisar o posicionamento do tribunal, podemos destacar alguns pontos cruciais que afetam diretamente os direitos dos trabalhadores e a dinâmica das empresas em crise financeira.
Primeiramente, a classificação dos créditos trabalhistas e sua preferência no cenário de insolvência foram reafirmadas como fundamentais para assegurar a proteção dos direitos laborais. A decisão destacou a importância de garantir que os créditos trabalhistas tenham prioridade na ordem de pagamento, refletindo não apenas a legislação vigente, mas também a necessidade de proteção dos trabalhadores em momentos críticos.
Além disso, a questão da habilitação tardia de créditos trabalhistas foi abordada com cautela, considerando os impactos tanto para os credores quanto para a própria viabilidade econômica das empresas em processo de reestruturação. A decisão pode ter estabelecido critérios mais claros ou modificado entendimentos anteriores sobre os prazos e condições para a habilitação desses créditos, buscando equilibrar os interesses dos diversos stakeholders envolvidos.
Em suma, a análise do REsp 1.840.166 – RJ ressalta a complexidade e a importância das decisões judiciais no contexto de recuperação judicial e falência, especialmente no que tange à proteção dos direitos trabalhistas. A interpretação precisa e equilibrada da legislação, aliada à compreensão das necessidades práticas das empresas e dos trabalhadores, é essencial para promover um ambiente jurídico seguro e justo.
Portanto, cabe aos operadores do direito, empresários e sociedade civil acompanhar de perto as evoluções jurisprudenciais e legislativas nesse campo, garantindo assim um sistema jurídico que concilie a preservação da atividade econômica com o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Referências
Brasil. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Brasil. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
Brasil. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, para aperfeiçoar o processo de recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.840.166 – RJ. Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. Julgado em 10/12/2019.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenação Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 361.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial no Tema 1051.