Autor: Adelino Silva Neto, Advogado, Engenheiro, Doutor em Direito, Administrador Judicial, Presidente da ABAJUD – Associação Brasileira de Administradores Judiciais, Membro Consultor da Comissão de Falência e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB, Autor de Obras Jurídicas, Professor Universitário, Coordenador de Curso de Pós em Recuperação Judicial, Falência e Administração Judicial na UPIS-DF.
Recuperação Judicial da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte
Resumo
As micro e pequenas empresas desempenham um papel crucial na economia brasileira, porém enfrentam desafios significativos devido à crise global causada pela pandemia do Coronavírus. Portanto, é essencial compreender a sua importância no contexto nacional e como a recuperação judicial oferece uma base sólida para que essas empresas tenham uma chance maior de se recuperar. Este estudo tem como objetivo destacar a importância da recuperação judicial para as micro e pequenas empresas, bem como as medidas alternativas implementadas pelo governo para regularizar suas operações, considerando os impactos causados pela Covid-19. Utilizamos uma abordagem metodológica baseada em pesquisa explicativa, revisão bibliográfica e análise de documentos, combinando abordagens quantitativas e qualitativas para apresentar o conteúdo abordado.
Palavras-chave: Importância da Recuperação Judicial; Alternativas à Recuperação Judicial; Regularização de Operações; Impacto da Carga Tributária; Contribuição para a Geração de Empregos.
1 Introdução
As microempresas são regidas pela Lei Complementar nº 123, datada de 14 de dezembro de 2006, e desempenham um papel econômico e social de extrema importância. Isso se deve à grande quantidade de microempresas estabelecidas no país, as quais contribuem significativamente para a geração de empregos, a distribuição de renda e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). As empresas de pequeno porte, conceitualmente, são organizações comerciais, industriais ou de serviços que se caracterizam por sua dimensão reduzida, geralmente definida pelo número limitado de empregados e faturamento anual. Historicamente, o reconhecimento e apoio a essas empresas ganharam relevância nas últimas décadas, impulsionados por uma compreensão crescente de seu papel na economia. Em muitos países, medidas políticas foram implementadas para estimular o crescimento das empresas de pequeno porte, reconhecendo sua contribuição para a criação de empregos, inovação e desenvolvimento local. Essas empresas desempenham um papel vital na diversificação econômica e na promoção de uma economia mais equilibrada, tornando-se uma força motriz para o empreendedorismo e o progresso econômico.
Conforme amplamente reconhecido, a pandemia da Covid-19 pegou a todos de surpresa. Os protocolos implementados para conter a disseminação do vírus resultaram em muitos empresários enfrentando dificuldades para cumprir seus compromissos, levando a uma crise financeira generalizada. Em resposta, o Governo Federal implementou uma série de medidas para mitigar os impactos da crise, com o objetivo de manter as empresas privadas no mercado e preservar empregos e renda. No entanto, apesar das diversas ações adotadas, lamentavelmente, algumas empresas ainda enfrentam a ameaça de encerrar suas atividades.
O tratamento das microempresas e empresas de pequeno porte pelo governo federal no Brasil nos dias de hoje é regido pelo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123/2006. Este estatuto estabelece um conjunto de medidas que visam a simplificação e desburocratização das obrigações fiscais, tributárias e trabalhistas para empresas com faturamento limitado. O governo federal também procura promover o acesso a mercados e a capacitação de microempresas e empresas de pequeno porte, incentivando a participação em licitações públicas e a expansão de suas atividades. A intenção é fomentar o crescimento dessas empresas, estimulando a geração de empregos e o fortalecimento da economia local.
Apesar dessas medidas diferenciadas, essas empresas enfrentaram desafios significativos para sua sobrevivência durante a crise desencadeada pela pandemia da Covid-19, uma vez que a maioria delas não dispunha de capital de giro para se manter no mercado, mesmo quando suas operações estavam suspensas.
O problema de pesquisa que motiva este estudo é compreender de que forma a recuperação judicial se aplica efetivamente às pequenas empresas e empresas de pequeno porte, considerando suas características distintas em relação a grandes corporações. Além disso, busca-se avaliar os impactos dessa abordagem na estabilidade econômica local, na manutenção de empregos e na promoção do empreendedorismo.
Assim, os objetivos do presente artigo são analisar os desafios e oportunidades enfrentados por essas duas modalidades de empresa no processo de recuperação judicial, identificar as principais práticas e regulamentações que afetam essas organizações nesse contexto e avaliar como a recuperação judicial influencia a continuidade desses negócios, bem como seu papel na economia local e nacional.
2 Referencial teórico
2.1 Panorama geral das microempresas e empresas de pequeno porte no ordenamento jurídico brasileiro
De acordo com a Lei Complementar nº 123/2006 (art. 3º, I, II e § 1º): […] consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte aquelas entidades empresariais, incluindo sociedades empresárias, sociedades simples, empresas individuais de responsabilidade limitada e empresários, que estejam devidamente registradas na Junta Comercial ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, desde que atendam aos seguintes critérios:
I – No caso de microempresa, a receita bruta anual não deve exceder R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) em cada ano-calendário;
II – No caso de empresa de pequeno porte, a receita bruta anual deve ser superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em cada ano-calendário.
Vale ressaltar que a receita bruta é calculada como o resultado das vendas de bens e serviços em operações próprias, o preço dos serviços prestados e os resultados obtidos em operações em nome de terceiros, não incluindo vendas canceladas e descontos incondicionais concedidos. (BRASIL, 2006)
Conforme estabelecido pela Lei Complementar nº 123/2006, o empresário e a sociedade empresária podem ser enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte, desde que estejam sob o regime jurídico diferenciado, a menos que estejam envolvidos em alguma das proibições listadas no artigo 3º, parágrafo 4º, incisos I a XI, da mencionada Lei complementar.
2.2 Benefícios na Lei de Recuperação Judicial e Falência
É fundamental ressaltar que os benefícios concedidos às Microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) não se restringem apenas aos dispositivos da Constituição Federal de 1988 e da Lei Complementar nº 123/2006. Outros regulamentos dispersos em diferentes legislações também oferecem vantagens, como exemplificado na Lei nº 11.101/2005, que foi atualizada pela Lei nº 14.112/2020. Esta legislação, em seus artigos 70 e seguintes, estabelece um regime especial no contexto de recuperação judicial para MEs e EPPs.
Nesse cenário específico, o pequeno empresário pode se beneficiar de um tratamento diferenciado, desde que faça uma opção expressa na petição inicial, que inclui um plano especial de recuperação judicial com diversos requisitos. Entre esses requisitos, estão a possibilidade de parcelar a dívida em até 36 parcelas mensais, iguais e consecutivas, e o pagamento da primeira parcela em até 180 dias a partir da data de distribuição do pedido de recuperação judicial. Em caso de omissão ou falta de procedimento específico, as regras ordinárias e padrão das recuperações judiciais são aplicadas.
O benefício previsto na Lei de Recuperação Judicial e Falência consiste em um procedimento simplificado e ágil no âmbito da recuperação judicial. No entanto, esse benefício é opcional e exclusivo para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que podem decidir adotar ou não o plano especial. Essa decisão é manifestada por meio da petição inicial, após uma análise de viabilidade, eficiência, economia e conveniência. (DE OLIVEIRA, 2022)
Caso optem por não aderir ao plano especial, essas empresas estarão sujeitas às regras do procedimento padrão da Lei de Falência. Portanto, é evidente que essa escolha demanda um estudo e planejamento prévio para uma decisão segura.
Em períodos de crise, como a atual crise da COVID-19, por exemplo, os pequenos empresários costumam ser duramente afetados pelos desafios econômicos. Como resultado, muitas vezes, eles se veem na necessidade de negociar suas dívidas e aprimorar o fluxo de caixa para se recuperar. Nesse contexto, o tratamento diferenciado previsto na Lei de Recuperação Judicial se apresenta como uma alternativa valiosa para lidar com as crises e a situação de inadimplência diante dos credores.(PEREIRA, 2001)
Essa abordagem especial não apenas auxilia na superação das dificuldades financeiras, mas também contribui para impulsionar o crescimento das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Como resultado, essa medida não apenas beneficia individualmente essas empresas, mas também tem um efeito positivo sobre a economia como um todo.
3 Conclusão
A recuperação judicial de microempresas e empresas de pequeno porte desempenha um papel fundamental no contexto empresarial e econômico, proporcionando a essas organizações uma chance real de superar dificuldades financeiras, preservar empregos e contribuir para o crescimento econômico sustentável. É evidente que, para essas empresas, a recuperação judicial é um importante mecanismo de salvaguarda e, frequentemente, a última esperança para evitar a falência.
Ao longo deste estudo, exploramos os benefícios e desafios desse processo, destacando a importância das medidas legais que simplificam e agilizam a recuperação para essas categorias de empresas. A legislação brasileira, por exemplo, oferece condições especiais, como a possibilidade de concessão facilitada de parcelamentos e descontos, que visam tornar a recuperação judicial mais acessível e eficaz para microempresas e empresas de pequeno porte.
No entanto, é crucial que, além de medidas legais favoráveis, haja conscientização e educação sobre a importância da gestão financeira responsável. O sucesso da recuperação judicial depende não apenas da lei, mas também da capacidade das empresas de implementar práticas de gestão adequadas e de buscar orientação profissional quando necessário.
A recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte é uma ferramenta valiosa para a manutenção do tecido econômico e social. Portanto, é imperativo que continuemos a aprimorar e adaptar a legislação e as práticas relacionadas a esse processo, garantindo que ele seja eficiente, justo e acessível. Somente assim poderemos promover um ambiente empresarial saudável e contribuir para o fortalecimento dessas importantes peças da economia.
4 Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional e Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp123.htm. Acesso em: 31/10/2023
DE OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges; NEVES, Fabiana Junqueira Tamaoki; DE OLIVEIRA MORAIS, Ana Paula. O tratamento diferenciado das microempresas e empresas de pequeno porte no brasil e as tendências law and economics. RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 41, p. 1-33, 2022.
PEREIRA, João Vitor Fonseca. A ampliação do rol de legitimados a recuperação judicial como medida de enfrentamento à crise econômico-financeira gerada pela pandemia da Covid-19: um olhar a preservação dos agentes econômicos não empresários. 2021.