- A FALÊNCIA E SUAS LEGISLAÇÕES: DECRETO Nº 7.661/45 COM A LEI Nº 11.101/15
Em muitos casos, a crise econômica enfrentada por uma empresa pode não apresentar qualquer viabilidade de superação. Como aduz Mamede (2022, p. 200), nestes casos, restaria instaurar um procedimento de liquidação do patrimônio do empresário, a fim de saldar o passivo, no que for possível.
Dentre as legislações utilizadas na falência, o Decreto-Lei nº 7.661/1945 foi a normativa falimentar mais longeva da normatização brasileira, tendo permanecido em vigor de 1945 a 2005, com quase 60 (sessenta) anos de vigência.
Dessa forma, tomou-se por base o referido Decreto, já que, como aduz Gornati (2024, p. 503), desenvolver uma pesquisa histórica sobre as leis falimentares desde os primórdios do Império Romano abrangeria uma complexidade sem precedentes.
Em todo caso, o referido Decreto, popularmente conhecido como “Lei de Falências”, era extremamente agressivo no que tange à liquidação dos bens. Ou seja, a regra geral era a paralisação imediata das atividades após a decretação de falência, objetivando preservar o patrimônio da empresa para posterior liquidação, com poucas exceções à regra, como nas situações em que manter a atividade era indispensável à conservação dos bens.
Aliás, vale ressaltar as palavras de Campinho (2022, p. 134):
No direito anterior à Lei n. 11.101/2005 concebia-se a figura jurídica da continuação do negócio do falido (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 74). Era a ele facultado requerer ao juiz a medida e, uma vez deferida, seria nomeado gerente para prosseguir nas atividades.
A sua realização respaldava-se nos seguintes critérios: (a) acautelamento do patrimônio comercial ou industrial de maiores prejuízos, decorrentes da paralisação da empresa; (b) não ser aconselhável a suspensão inopinada da atividade, tendo um volume de produtos e serviços a acabar; (c) viabilidade da concordata suspensiva.
Em linhas gerais, não havia preocupação em recuperar ou preservar a função social da empresa, e sim garantir a correta liquidação dos ativos para satisfação dos credores. Essa normativa ocasionava diversas falências frustradas, visto que, em inúmeros casos o patrimônio da empresa se deteriorava ou mesmo as próprias arrecadações da massa falida eram insuficientes para satisfazer os credores.
1.1 Lei nº 11.101/05
A Lei nº 11.101/05 foi uma importante inovação legislativa, instituindo a recuperação judicial como um procedimento prévio à falência, visando à preservação da empresa e à continuidade de suas atividades.
Houve, de fato, uma modernização dos procedimentos falimentares, com instrumentos disponibilizados para que as empresas possam tentar se reerguer antes da falência definitiva.
Todavia, ainda assim, a nova Lei não esclareceu de forma condizente, as hipóteses de continuidade das atividades após a decretação da falência. O art. 99 da Lei nº 11.101/05, inciso XI preconiza que a Sentença que decretar a Falência do devedor “pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei”.
Ressaltando, então, que o art. 109 frisa que “O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a execução da etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida ou dos interesses dos credores”.
O dispositivo normativo, porém, não detalha quais seriam os critérios específicos para a continuidade das operações, deixando a decisão a critério do juízo falimentar, o que pode resultar em decisões subjetivas e dissonantes conforme o caso concreto.
Logo, não existem critérios objetivos que possam definir as hipóteses de continuidade das atividades, a não ser uma mera disposição no intuito de lacração, caso seja necessário para preservar os bens para uma posterior liquidação. Essa falta de regulamentação específica cria um vácuo jurídico que pode dificultar a implementação de estratégias mais eficientes para a gestão da falência e, em última instância, comprometer o valor de mercado dos ativos.
De modo geral, apesar de constituir uma modernização do procedimento falimentar, a nova Lei poderia ter introduzido critérios eficazes para uma solução tão importante para a própria satisfação dos credores, afinal, caso a massa falida continue a gerar receitas, a fase de liquidação apresentará mais chances de êxito. Afinal, caso a massa falida continue a gerar receitas sob uma gestão adequada e supervisionada, a fase de liquidação apresentará mais chances de êxito, aumentando a recuperação dos créditos e minimizando as perdas financeiras para todos os envolvidos no processo.
- A CONTINUAÇÃO PROVISÓRIA DAS ATIVIDADES
Sobre as possibilidades de continuação provisória das atividades da empresa, Campinho (2022, p. 134) entende que o magistrado verificará a conveniência da continuidade provisória das atividades do falido, lembrando que, em muitos casos, a brusca cessão das atividades poderá provocar prejuízos exorbitantes de ordem econômica e social.
Assim, caso seja decidido pela continuidade das atividades empresariais, o próprio administrador judicial nomeado ficará responsável pela gestão da empresa a partir da quebra, podendo, inclusive, contratar equipe auxiliar para essa tarefa.
Esse mesmo entendimento também adota Sacramone (2022, p. 494), ao frisar que, ao invés da lacração do estabelecimento, visando maximizar o valor dos ativos, o juiz falimentar pode, excepcionalmente, manter a atividade empresarial de forma provisória. Lembrando, que as atividades serão desenvolvidas pelo próprio administrador judicial, podendo realizar os negócios jurídicos inerentes às atividades comerciais da empresa, como a comercialização de produtos e serviços.
Interessante ressaltar também, que o juízo falimentar pode determinar que o administrador judicial diligencie previamente ao estabelecimento do devedor, para apurar minuciosamente se existem riscos para execução da etapa arrecadatória, hipótese na qual será determinada a lacração do estabelecimento, em uma interpretação conjunta dos artigos 22, III, letras f e o, e do artigo 109 da Lei 11.101/2005.
Sobre esse ponto, vejamos o entendimento de Mamede, (2022, p. 242):
A sentença que decreta a falência deve pronunciar-se sobre a continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial, ou sua cessão, com a lacração dos estabelecimentos (artigo 99, XI, da Lei 11.101/2005). Trata-se, uma vez mais, de matéria que não demanda provocação por qualquer das partes, nem mesmo prévio debate; examiná-la é obrigação legal do Judiciário, sendo parte necessária do decreto de falência. Mesmo que haja oposição de todos os envolvidos, o Juiz poderá deferir a continuação provisória das atividades do falido, já que é seu dever legal preservar as fontes produtivas, como se afere do artigo 75 da Lei 11.101/2005. Mutatis mutandis, se todos os envolvidos – devedor e credores – são favoráveis à continuação provisória das atividades, recomenda-se ao Judiciário deferir-lhes a pretensão, já que harmônica com os fins legais. Todavia, não está a tanto obrigado, mormente se considera os direitos e os interesses de terceiros, a exemplo da Fazenda Pública, ou os interesses difusos da comunidade local, que pode, sim, estar sendo prejudicada pela continuidade das atividades, conforme particularidades do caso em concreto.
A lacração dos estabelecimentos não é regra geral, mas medida que se justifica diante de um cenário específico (no caso, de risco); não menos excepcional é o deferimento da continuação provisória das atividades do falido. Embora seja inequívoco que a Lei 11.101/2005 teve expresso intento de valorizar a função social da empresa e atender ao princípio da preservação das atividades empresariais, não se pode deixar de considerar, na aplicação de tais balizas, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; mais precisamente, não se pode deixar de analisar cuidadosamente a viabilidade da medida.
A bem da precisão jurídica, é preciso atenção ao inciso XI do artigo 99 da Lei 11.101/2005, pois a determinação legal não é para que a sentença decida, em definitivo, tais matérias. Com efeito, a lei fala em pronunciar-se a respeito, bem diferente de decidirá ou termo afim. Nesse sentido, se o magistrado tem elementos suficientes que o permita determinar, de imediato, a continuação provisória das atividades do falido ou a lacração dos estabelecimentos, poderá determinar tal medida. Se não há elementos suficientes – realidade que se apresenta na maioria esmagadora dos casos
–, o juiz pode determinar que o administrador judicial verifique o estabelecimento ou estabelecimentos do devedor, apurando se há risco para a execução da etapa de arrecadação, hipótese na qual pedirá a lacração; assim sinaliza a interpretação conjunta dos artigos 22, III, letras f e o, cominado com o artigo 109 da Lei 11.101/2005.
De uma forma bem abrangente, a continuação das atividades de acordo com a Lei 11.101/2005 não é totalmente clara sobre as hipóteses que ensejariam o prosseguimento das atividades, e como esse prosseguimento seria realizado, limitando-se a uma interpretação subjetiva do juízo falimentar.
Negrão (2022, p. 53) argumenta que o fundamento utilizado para a continuação das atividades do falido seria a preservação e otimização da utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis.
A falta de requisitos ou mesmo de um procedimento próprio que regulamente essa possibilidade levanta uma série de riscos e incertezas jurídicas. Inclusive, um conflito de interesses entre o devedor, administrador judicial e os credores. Além de que, sem um monitoramento eficaz, a continuação das atividades pode colocar em risco até mesmo o próprio patrimônio da empresa em detrimento dos credores.
Todavia, apesar dos riscos e da subjetividade da decisão, pode-se elencar diversos motivos que corroboram com a continuidade das atividades empresariais, como a preservação do ativo, geração de caixa e manutenção dos empregos. Esses fatores corroboram até mesmo com os interesses dos credores, afinal, o objetivo principal da falência é satisfazer os credores e não lacrar o estabelecimento sem previsão de reaver os valores.
2.1 Contraponto às Recuperações Judiciais
A Lei nº 11.101/2005 também regula o procedimento da recuperação judicial, estabelecendo um prazo de máximo de 2 (dois) anos para a recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, conforme preconiza o art. 61 da respectiva normativa.
Todavia, a realidade prática demonstra que existem recuperações judiciais que ultrapassam significativamente o prazo de dois anos. Muitas vezes, essa situação se deve à complexidade da operação, ao tamanho da empresa ou às negociações com credores, que se estendem além do prazo legal.
Interessante ressaltar o caso da empresa Teka Tecelagem Kuenrich S/A, uma empresa tradicional de Blumenau/SC, fabricante de itens de cama, mesa e banho que estava em recuperação judicial desde 2.012, enfrentando diversos imbróglios legais e econômicos.
Recentemente, no dia (06/02/2025) o administrador judicial requereu a convolação da recuperação judicial em falência, com a continuação das atividades empresariais. Vejamos, abaixo, trecho da respectiva manifestação:
Em vista de tudo o quanto está ocorrendo nesta recuperação judicial há mais de doze anos em curso, com todos os descumprimentos possíveis e imagináveis do que se propõe a Lei 11.101/05, seja desde o nascedouro desta demanda recuperatória até os últimos episódios desta verdadeira e trágica “epopeia”, quiçá a decretação da quebra, com a continuidade das atividades, possa ser o caminho mais seguro e que atinja com maior eficiência e velocidade o atendimento aos princípios da função social da propriedade, conservação da empresa (enquanto atividade econômica) e mesmo do pagamento dos credores. [fl. 19].
O prolongamento desse processo, sem solução definitiva, reflete a complexidade de alcançar um equilíbrio entre a recuperação da empresa e o cumprimento das obrigações perante credores e trabalhadores. Aliás, sobre os compromissos firmados no plano recuperação, vejamos trecho sobre os eventuais descumprimentos das obrigações:
A empresa não apenas descumpriu reiteradamente os compromissos assumidos no plano homologado, como também se encontra em evidente colapso operacional, sem capital de giro e sujeita a sucessivas constrições judiciais que inviabilizam a continuidade da atividade empresarial.
Essa situação demonstra que nem sempre manter uma empresa em recuperação por tanto tempo beneficia as partes envolvidas. No caso da Teka, o prolongamento da recuperação judicial trouxe incertezas jurídicas e instabilidade comercial, prejudicando tanto o mercado quanto os empregados e credores.
Justamente para evitar esse imbróglio, seria eficaz a regulamentação de uma “falência continuada”, tal como requereu o administrador judicial. Isto é, para evitar esses longos anos de recuperação sem viabilidade de retorno, de uma empresa tecnicamente “falida”, seria interessante a convolação em falência, com a continuidade das atividades para reorganizar os ativos e operações da empresa, permitindo que ela continue a operar, mesmo após a decretação de falência, com a supervisão de um administrador judicial.
Ainda, o objetivo não seria recuperar a empresa, mas sim maximizar a preservação dos ativos e manter as operações comerciais para gerar recursos que possam ser usados para pagar credores. Essa possibilidade seria útil para empresas que, embora já estejam insolventes, ainda possuam capacidade de gerar receitas.
- CASO – MASSA FALIDA DE SUL FABRIL
Visando colacionar um caso prático acerca da continuidade das atividades da empresa falida, é importante ressaltar o trabalho exercido pelo Sr. Celso Mário Zipf, que, como Síndico da Massa Falida de Sul Fabril S/A., exemplificou a essência de uma administração transparente, justa e comprometida com a preservação de empregos.
A empresa Sul Fabril S/A., foi umas das empresas mais sólidas e prósperas do Estado de Santa Catarina, alcançando reputação internacional e conquistando importante parcela do mercado interno. Porém, de acordo com o seu pedido de Auto Falência, formalizado no ano de 1.999, a empresa enfrentava uma crescente dificuldade econômica em virtude da insegurança interna, das dificuldades do mercado nacional e dos planos econômicos impostos pelo Governo na época do pedido falimentar.
Porém, não foi apresentado qualquer projeto de recuperação econômica em juízo, a não ser a mera expectativa de usufruir dos efeitos do procedimento falimentar. Apesar disso, a empresa continuou suas atividades comerciais a fim de salvaguardar o emprego dos funcionários, e aproveitar a própria capacidade de produção do parque fabril.
Apenas 14 (quatorze) anos depois, em 2.014, diante da perda de eficiência e de competividade no mercado consumidor, a empresa paralisou suas atividades após uma reunião conjunta com o juízo falimentar, promotoria de justiça, sindicato e o síndico.
Ainda, com recursos disponíveis em caixa, decidiu-se pelo pagamento de todos os encargos do FGTS e 50% das demais verbas rescisórias. Tanto é, que o ato de fechamento não resultou nenhuma comoção social e nenhuma demanda trabalhista advinda dos mais de 600 (seiscentos) servidores que estavam em operação.
Após a paralisação das atividades, houve um foco na liquidação dos ativos, tendo sido realizado leilão do parque fabril da com os utensílios, leilão dos imóveis em nome da empresa e leilão do próprio conjunto de marcas. Esse processo permitiu um incremento significativo no caixa da empresa, favorecendo a liquidação dos ativos e garantindo um desfecho mais eficiente para a falência.
Buscou-se demonstrar, então, que esses longos anos de atuação (falência continuada) salvaram milhares de empregos, mantiveram o parque fabril em ótimo estado de conservação, e foram fundamentais para proteger a marca da empresa (patrimônio intangível).
Esses resultados (excepcionais para uma falência), são fruto da gestão exemplar do administrador judicial, que, em conjunto com a seriedade do juízo e do Ministério Público, garantiu um desfecho positivo.
Já sobre os aspectos procedimentais, é interessante ressaltar que eram apresentados relatórios periódicos submetidos previamente à análise e aprovação do juízo falimentar e do ministério público. Essa prática, além de garantir a transparência e o acompanhamento regular das atividades deste administrador judicial, também garantiu que todas as ações fossem conduzidas de acordo com os princípios legais e éticos.
Portanto, a continuidade das atividades da empresa Sul Fabril após sua decretação de falência foi fundamental para a comunidade de Blumenau/SC e para os próprios credores da empresa falida. É importante ressaltar que esta falência se enquadra no âmbito do Decreto Lei nº 7.661/1945, ou seja, durante a própria normativa liquidacionista.
- SUGESTÕES LEGISLATIVAS
Como já exposto, a legislação atual é extremamente rasa quanto à possibilidade de continuidade das atividades empresariais após a decretação de falência, gerando insegurança jurídica e dificultando a tomada de decisões estratégicas nesse contexto.
A ausência de diretrizes claras não apenas compromete a previsibilidade das decisões judiciais, mas também reduz as chances de uma gestão eficiente da massa falida, resultando, em muitos casos, em uma liquidação precipitada e na destruição de ativos que poderiam ser melhor aproveitados. A falta de parâmetros específicos também acarreta uma dependência excessiva da discricionariedade do juízo falimentar, levando a decisões desiguais conforme o caso concreto e dificultando a consolidação de uma jurisprudência uniforme sobre a matéria.
Para suprir essa lacuna, propõe-se a inclusão do (art. 99-A) na Lei 11.101/2005, dedicado à continuidade das atividades empresariais após a falência, detalhando as condições e procedimentos para permitir que uma empresa continue operando após a decretação de falência. Para tanto, se faz necessário elencar os seguintes pontos que serviriam de base para orientar tanto os administradores judiciais quanto os credores e o próprio juízo falimentar na tomada de decisões estratégicas:
- Condução pelo Administrador Judicial: Caso não haja apresentação do plano pela falida, ou este for indeferido, a continuação das atividades será observada por plano técnico elaborado pelo administrador judicial após estar ciente dos pormenores da empresa. Podendo, inclusive, haver a contratação de apoio técnico especializado que será custeado pelo próprio caixa da massa falida.
- O administrador judicial deverá realizar uma avaliação detalhada do estado da empresa, identificando os ativos essenciais para a continuidade das operações e garantindo que qualquer medida adotada esteja alinhada aos interesses dos credores.
- Responsabilidade do Administrador Judicial: O administrador judicial deve ser responsável não apenas por supervisionar a liquidação dos ativos, mas também pela gestão eficiente das operações da empresa durante o processo de falência. Assim, tendo ineficiência ou má gestão, poderá ser solicitada a sua substituição, ressalvando eventuais perdas e danos a serem auferidas pela massa falida.
- Excluir atividades prejudiciais: Para garantir que a continuidade das atividades da empresa falida não resulte em riscos financeiros desnecessários, é essencial definir critérios claros para a exclusão de atividades incompatíveis com a situação falimentar. Dentre as práticas que devem ser vedadas, incluem-se:
- A realização de novos investimentos sem aprovação judicial;
- A contratação de novos funcionários ou aquisição de equipamentos que não sejam essenciais para manter a operação em funcionamento;
- A assunção de dívidas ou obrigações que possam comprometer o saldo da massa falida.
- Planejamento de Liquidação: Definir quais ativos devem ser liquidados prioritariamente para maximizar o retorno aos credores sem comprometer a possibilidade de produção da empresa falida em suas atividades rotineiras.
Ainda, levar em consideração, caso possível, a alienação da empresa como unidade produtiva isolada (UPI), maximizando o valor de mercado e preservando parte das operações.
- Fiscalização e Relatórios: Instituir procedimentos de fiscalização rigorosos, incluindo a necessidade de relatórios periódicos (trimestrais) sobre a situação financeira da empresa. Deverá constar no relatório, por exemplo:
- a) Balanço contábil das atividades desenvolvidas;
- b) Demonstração dos resultados econômicos;
- c) Relação dos contratos celebrados ou interrupções durante a continuidade;
- d) Informações sobre a manutenção dos empregos e outras atividades relacionadas à função social da empresa.
- e) Informações sobre a evolução do passivo, o pagamento dos créditos trabalhistas e previdenciários, e o cumprimento das obrigações ambientais;
- f) Demais informações que o juízo ou o administrador judicial considerarem relevantes para a avaliação da continuidade das atividades.
- Esses relatórios deverão ser encaminhados também ao Ministério Público no processo falimentar para fiscalização. O MP será responsável por fiscalizar a atuação do administrador judicial na condução das atividades da empresa falida, podendo exigir ao juiz a interrupção das atividades em caso de abuso de poder, má gestão ou risco de aumento do passivo da massa falida.
- Prazo de Avaliação: Definir que, a cada 180 (cento e oitenta) dias o juízo verifique, com auxílio do administrador judicial e do Ministério Público, os resultados e a viabilidade de se prosseguir com as atividades da falência, levando em consideração o interesse dos credores e a função social da empresa.
Essas justificativas buscam promover um equilíbrio entre os direitos dos credores e a preservação das atividades econômicas da empresa falida, trazendo maior segurança jurídica e evitando a destruição completa do valor empresarial.
- CONSIDERAÇÕES
Apesar de representar um avanço significativo no regime jurídico das falências e recuperações judiciais, a Lei nº 11.101/15 ainda carece de mais esclarecimentos referindo-se à continuidade das atividades da empresa após a decretação da falência. Embora faltem esclarecimentos e métodos procedimentais, é inegável que, em certas circunstâncias, essa prática pode ser extremamente benéfica tanto para a preservação de recursos quanto para maximizar o pagamento aos credores.
Um exemplo dessa realidade é o caso da Massa Falida de Sul Fabril, cuja operação continuou por anos após a decretação de falência, garantindo uma fonte de renda para os trabalhadores e evitando a completa desvalorização dos ativos. Essa experiência demonstra que, quando bem administrada, a continuidade das atividades pode ser uma estratégia eficaz para beneficiar todos os envolvidos no processo.
Em contrapartida, destaca-se o caso da Teka Tecelagem Kuenrich S/A, que operou há mais de 12 (doze) anos sob Recuperação Judicial. No entanto, sucessivos descumprimentos do plano de recuperação, aliados a conflitos econômicos persistentes entre os acionistas, comprometeram as atividades da empresa. Diante desse cenário, o administrador judicial, ao constatar a inviabilidade da continuidade do plano e a interrupção da situação financeira, exigiu recentemente a convolação da recuperação em falência continuada, gerando a melhor destinação dos ativos e a satisfação dos credores.
Levando em consideração essas circunstancias, o presente artigo sugere alterações legislativas ao art. 99 da Lei nº 11.101/15, a fim de estabelecer critérios para regular essa continuidade. Portanto, ao incorporar essas sugestões, a Lei nº 11.101/15 poderia ser complementada para auxiliar no processo falimentar de modo a evitar a extinção prematura de negócios, valorizar os ativos e aumentar as chances de pagamento integral dos credores.
Em suma, a continuidade das atividades da empresa após a decretação da falência é uma ferramenta importante para a recuperação judicial e para a preservação do valor das empresas. No entanto, para que essa ferramenta seja utilizada de forma adequada, é necessário que a legislação ofereça um procedimento mais claro específico.
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Autor
Gustavo Oecksler – Advogado, é pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Societário, ambas pela (USJT), e também em Direito Imobiliário pela mesma Universidade. É ainda pós-graduando em Recuperação Judicial, Falência com ênfase em Administração Judicial pela União Pioneira de Integração Social Brasília (UPIS). Integra a Comissão de Direito Societário da OAB/SC e é membro do Núcleo Jurídico Empresarial da ACIB.
Contato – (47) 99227-0191 E-mail – oecksler.adv@gmail.com