Autor: Adelino Silva Neto, Advogado, Engenheiro, Doutor em Direito, Administrador Judicial, Presidente da ABAJUD – Associação Brasileira de Administradores Judiciais, Membro Consultor da Comissão de Falência e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB, Autor de Obras Jurídicas, Professor Universitário, Coordenador de Curso de Pós em Recuperação Judicial, Falência e Administração Judicial na UPIS-DF.
O Crédito Trabalhista e seus limites ao Plano de Recuperação judicial
Resumo
A temática dos limites do crédito trabalhista na recuperação judicial é de fundamental importância no contexto legal e empresarial, pois envolve a prioridade dada aos créditos trabalhistas e os desafios em equilibrar os interesses dos trabalhadores, empresas e demais credores durante o processo de reestruturação financeira. O objetivo deste estudo é analisar os limites dos créditos trabalhistas na recuperação judicial, compreendendo como a legislação brasileira estabelece esses limites e como eles impactam as empresas em dificuldades financeiras, bem como os trabalhadores e outros credores envolvidos no processo. Para alcançar esse objetivo, será realizada uma pesquisa documental e bibliográfica, a fim de fornecer uma visão abrangente e atualizada sobre o assunto. Além disso, serão consideradas as implicações éticas e sociais das decisões relacionadas aos créditos trabalhistas na recuperação judicial.
1.Introdução
A relação de trabalho é um vínculo essencialmente econômico, no qual a força de trabalho é trocada por uma compensação financeira, como definido nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (TOMAZETTE, 2023). Quando um empresário ou empresa enfrenta um desequilíbrio financeiro que os impede de cumprir suas obrigações trabalhistas, isso resulta em um claro descumprimento contratual que prejudica a parte mais vulnerável, geralmente dependente dessa relação de trabalho para sustentar a si própria e sua família. Refletir sobre a questão do crédito do trabalhador em casos de recuperação judicial ou falência é crucial para profissionais do Direito, Economia e outras áreas das Ciências Sociais. Um prolongado déficit financeiro que leva a um processo de recuperação judicial ou falência de um empresário ou sociedade empresária afeta a regularidade e o pagamento adequado da remuneração devida àqueles que oferecem seu trabalho, criando uma situação de vulnerabilidade social para o trabalhador e desafiando o princípio da função social, como estabelecido no artigo 421 do Código Civil (CC), do contrato de trabalho, bem como a dignidade da pessoa humana do trabalhador.
Assim, a temática dos limites do crédito trabalhista na recuperação judicial é de suma importância no contexto das leis de falências e recuperações empresariais. A recuperação judicial é um instrumento legal crucial que visa oferecer uma saída para empresas em dificuldades financeiras, permitindo que elas reestruturem suas dívidas e continuem operando, com o propósito de manter empregos e ativos, em vez de serem levadas à falência.( SACRAMONE, 2021) No entanto, a prioridade dada aos créditos trabalhistas nesse processo está sujeita a limitações que refletem a complexidade desse campo. Esses limites incluem restrições de valor, capacidade financeira das empresas em recuperação e a necessidade de negociações e acordos com os trabalhadores. Assim, este artigo pretende explorar os desafios e nuances que cercam os créditos trabalhistas na recuperação judicial, a fim de compreender como o sistema legal equilibra os interesses dos trabalhadores, empresas e outros credores envolvidos nesse processo complexo de reorganização financeira.
2- Referencial Teórico
2.1 Repercussão da recuperação judicial nos créditos Trabalhistas
A fim de viabilizar a compreensão lato sensu dos impactos das alterações trazidas pela Lei 14.112/2020 para o processamento da Recuperação Judicial, cumpre esclarecer os principais efeitos desta para os credores trabalhistas. Os limites do crédito trabalhista na recuperação judicial desempenham um papel crucial na reestruturação financeira das empresas em dificuldades. Embora os créditos trabalhistas gozem de prioridade, essa prioridade é definida por limites financeiros e legais que buscam equilibrar os interesses de trabalhadores, empresas e outros credores. (VILLARINHO, 2022) Portanto, é de extrema importância que se realizem avaliações e revisões regulares das leis de falências e recuperação, a fim de garantir que os limites do crédito trabalhista sejam justos e adaptáveis às transformações no panorama econômico e empresarial. A busca pela harmonização dos interesses entre trabalhadores, empresas e credores desempenha um papel fundamental na promoção da estabilidade e sustentabilidade do setor empresarial, ao mesmo tempo em que se resguardam os direitos dos empregados. Após o cumprimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 48 e 51 da Lei de Recuperação Judicial (LRF) e a aprovação do processamento da Recuperação Judicial, é divulgado o primeiro Edital de Credores. Esse edital contém a lista de créditos apresentados pela empresa devedora, de acordo com o artigo 52 da mesma lei. A publicação desse edital resulta na suspensão do prazo de prescrição das obrigações, bem como na interrupção das execuções que tenham sido movidas contra o devedor, pelo período de 180 dias, conhecido como “stay period” (artigo 6°, §4°-A, II).( MARINS, 2022) A partir desse momento, inicia-se a contagem do período de 15 dias, conforme determinado no artigo 7°, §1°. Durante esse prazo, os credores têm a oportunidade de submeter suas reivindicações e contestações de crédito ao Administrador Judicial na fase administrativa.
Além disso, é importante destacar que os créditos trabalhistas não judicializados podem ser reconhecidos pelo Administrador Judicial com base em documentos que comprovem devidamente as quantias devidas, tais como valores de rescisão contratual, FGTS, acordos extrajudiciais, entre outros. Estes créditos também estarão sujeitos a contestação por parte dos credores. Por outro lado, as Reclamações Trabalhistas que ainda não tenham alcançado a fase de execução e, portanto, envolvam quantias não liquidadas, continuarão sendo tratadas pela Justiça do Trabalho até que o valor do crédito seja certificado para inclusão no processo de Recuperação Judicial, conforme estabelecido no artigo 6°, § 1° da Lei de Recuperação Judicial. Além disso, mesmo na ausência de um título executivo judicial claramente definido, o Juiz do Trabalho tem a prerrogativa de solicitar a reserva de um montante que ele considere devido ao empregado junto ao Juízo Universal, de acordo com o parágrafo 3° do referido dispositivo. Outro dispositivo que garante proteção aos credores trabalhistas na Lei de Recuperação de Empresas e Falência é o artigo 54. Esse artigo estabelece um limite de tempo de um ano para o pagamento de créditos provenientes de questões trabalhistas ou resultantes de acidentes de trabalho que estejam pendentes até a data em que a solicitação de Recuperação Judicial foi feita. Além disso, o parágrafo 1º desse mesmo artigo estabelece um prazo de 30 dias para o pagamento de créditos que sejam exclusivamente de natureza salarial e que tenham vencido nos últimos 3 meses anteriores ao pedido de recuperação, com um limite de até 5 salários-mínimos por trabalhador.
Adicionalmente, mesmo se o trabalhador não conseguir inicialmente incluir seu crédito na lista de credores, ele ainda tem a opção de apresentar seu crédito de forma tardia, de acordo com o que está previsto no artigo 10 da Lei 11.101/2005.
2.2.Limites do crédito trabalhista no processo de recuperação judicial
O primeiro limite a ser considerado é o valor dos créditos trabalhistas. A legislação determina que apenas os créditos trabalhistas de até 150 salários mínimos por trabalhador têm prioridade absoluta. Isso significa que, se um trabalhador tem uma dívida trabalhista que excede esse limite, a parte que ultrapassa os 150 salários mínimos será tratada como crédito comum, perdendo a prioridade. (DE BRITO, 2023)
Para créditos trabalhistas que ultrapassam esse limite de 150 salários mínimos, eles ainda mantêm alguma preferência em relação a outros credores, como os quirografários, mas não têm a mesma prioridade dos créditos até o limite estabelecido.
Além disso, a capacidade financeira da empresa é outro limite significativo. Muitas empresas em recuperação judicial enfrentam dificuldades financeiras severas e podem não ter recursos suficientes para pagar todas as dívidas, incluindo as trabalhistas. Nesses casos, a lei estabelece regras para o parcelamento dessas dívidas e seu pagamento ao longo do período de recuperação judicial. (LANA, 2023)
Também é importante destacar que a empresa em recuperação tem a oportunidade de negociar e celebrar acordos com os trabalhadores para o pagamento de seus créditos. Esses acordos podem envolver descontos ou formas de pagamento diferenciadas, desde que sejam aprovados pelos trabalhadores ou pelo sindicato.
Portanto, os limites do crédito trabalhista na recuperação judicial estão relacionados à prioridade dada a esses créditos, com base em um limite de valor, à capacidade financeira da empresa em dificuldades e à possibilidade de negociações e acordos. A intenção é conciliar a preservação de empregos e ativos com a reorganização financeira da empresa e o tratamento equitativo de todos os seus credores.
3.Conclusão
Em suma, os limites do crédito trabalhista na recuperação judicial desempenham um papel crucial na reestruturação financeira das empresas em dificuldades. Embora os créditos trabalhistas gozem de prioridade, essa prioridade é definida por limites financeiros e legais que buscam equilibrar os interesses de trabalhadores, empresas e outros credores. A Lei de Recuperação Judicial no Brasil estabelece um limite de 150 salários mínimos por trabalhador para prioridade absoluta, com valores superiores tratados de forma diferenciada. Além disso, a capacidade financeira da empresa em recuperação é um fator determinante, uma vez que a reestruturação visa a preservação dos negócios e empregos. Em última análise, a eficácia da recuperação judicial como mecanismo de reorganização financeira depende da capacidade de equacionar esses limites com a busca por justiça e eficiência no processo. Encontrar esse equilíbrio é essencial para alcançar os objetivos da recuperação judicial e manter o funcionamento das empresas, preservando empregos e estimulando o crescimento econômico.
Em vista disso, é imperativo que sejam realizadas análises e revisões periódicas nas leis de falências e recuperações, de modo a assegurar que os limites do crédito trabalhista sejam justos e capazes de se adaptar às mudanças no cenário econômico e empresarial. A harmonização dos interesses dos trabalhadores, empresas e credores é essencial para promover a estabilidade e a viabilidade do setor empresarial, ao mesmo tempo em que se protegem os direitos dos empregados. Nesse contexto, o estudo e debate contínuo sobre essa temática são fundamentais para aprimorar o sistema de recuperação judicial e contribuir para um ambiente de negócios mais resiliente e justo.
4 .Referências Bibliográficas
DE BRITO, Allinny Ferreira; DE REZENDE, Ricardo Ferreira. A recuperação judicial de empresas: aplicabilidade sob os termos da lei 11.101/2005. Facit Business and Technology Journal, v. 3, n. 40, 2023.
LANA, Henrique Avelino. Apropriada cognição das Leis 11.101/05 e 14.112/20: a fragilidade econômica, financeira e patrimonial. Revista Vox, n. 17, p. 9-47, 2023.
MARINS, Dayana Macedo. LEI 14.112/2020 que modificou a lei de recuperação de empresas e falência: principais impactos com enfoque na seara trabalhista. 2022.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2. ed – Saraiva Jur, 2021.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial Volume 3-Falência E Recuperação de Empresa-11ª edição 2023. Saraiva Educação SA, 2023.
VILLARINHO, Gabriel Araujo et al. Créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho na recuperação judicial após as reformas da Lei 14.112/2020. Revista de Direito, v. 14, n. 2, p. 1-17, 2022.