- Introdução
A Lei 11.101/2005, também conhecida como Lei de Recuperação Judicial e Falências, foi promulgada com o objetivo de modernizar o tratamento legal dado às crises econômicas enfrentadas por empresas no Brasil. Antes da sua criação, o sistema vigente era regido pelo Decreto-Lei 7.661/1945, que privilegiava a liquidação dos ativos da empresa, muitas vezes resultando no encerramento de suas atividades. Em contrapartida, a Lei 11.101/2005 trouxe uma mudança paradigmática ao introduzir o conceito de preservação da empresa como atividade econômica viável, promovendo equilíbrio entre credores e devedores e priorizando a continuidade da atividade empresarial.
Essa mudança não apenas beneficiou o ambiente empresarial, mas também alinhou o Brasil com práticas internacionais. Dados recentes apontam que a recuperação judicial tem um impacto significativo na preservação de empresas e empregos. Segundo um relatório da Serasa Experian, em 2023, houve um aumento de 68,7% nos pedidos de recuperação judicial em comparação a 2022, totalizando 1.405 solicitações, o quarto maior índice desde a promulgação da Lei 11.101/2005. Esse cenário evidencia a relevância da recuperação judicial como mecanismo de reestruturação empresarial no Brasil. Ainda assim, há diferenças marcantes em relação ao Capítulo 11 do Bankruptcy Code dos Estados Unidos, que permite maior flexibilidade e proteção ao devedor durante as negociações com credores.
A integração entre as partes interessadas, incluindo a empresa, os credores e o Judiciário, é fundamental para garantir o sucesso da recuperação judicial. Conforme ressaltado por Salomão e Penalva Santos, a recuperação judicial deve ser vista como um processo colaborativo, no qual todas as partes devem atuar de forma coordenada para alcançar resultados eficazes. Essa integração é essencial não apenas para garantir a transparência, mas também para facilitar a aprovação e a implementação do plano de recuperação. Ferramentas tecnológicas, como softwares de análise financeira e plataformas de visualização de dados, têm desempenhado um papel importante na modernização desse processo, aumentando a confiança entre as partes e otimizando a tomada de decisões.
A Recuperação Judicial, um dos principais instrumentos previstos na lei, permite que empresas em dificuldade reestruturem suas obrigações financeiras e operacionais, contando com a participação dos credores na aprovação de um plano de recuperação. Nesse contexto, o contador desempenha um papel central, especialmente na elaboração do plano de recuperação judicial, que requer análises detalhadas e projeções financeiras sólidas. Este artigo explora como o contador contribui em todas as fases do processo, detalha as análises realizadas na fase de planejamento e aborda todas as possibilidades previstas no Art. 50 da Lei 11.101/2005, com base em legislações complementares e exemplos práticos, como os casos da Avianca Brasil e Oi S.A., que ilustram a aplicação bem-sucedida dessas medidas.
- Metodologia
O estudo baseia-se em uma abordagem bibliográfica e documental, com análise da Lei 11.101/2005 e legislações complementares, além de estudos de casos. Foram selecionados exemplos emblemáticos como Avianca Brasil, Oi S.A., Ecovix e Usina São Fernando para ilustrar as práticas descritas. A análise também compara os instrumentos previstos na legislação brasileira com o Capítulo 11 norte-americano, oferecendo uma perspectiva mais abrangente sobre os desafios e as oportunidades da recuperação judicial.
- Fase de Planejamento: Elaboração do Plano de Recuperação Judicial
A elaboração do plano de recuperação judicial é a fase mais estratégica do processo, sendo essencial para garantir a viabilidade e aceitação das medidas propostas. Essa etapa exige uma análise detalhada do cenário econômico-financeiro da empresa, alinhada às exigências legais e às expectativas dos credores. Nesse contexto, o contador atua como o principal responsável pela formulação técnica e econômica do plano, abrangendo diferentes dimensões da reestruturação.
3.1 O Papel Fundamental do Contador
O contador desempenha um papel essencial no fortalecimento da transparência e da responsabilidade administrativa, especialmente em empresas familiares ou com gestão ineficiente. Em contextos onde práticas administrativas podem ser menos estruturadas, o contador age como um catalisador para implementar padrões de governança corporativa, garantindo a clareza das informações financeiras e gerenciais.
3.1.3 Implementação de Governança e Auditorias Periódicas
O contador é também um elemento chave na promoção de boas práticas de governança corporativa, especialmente em cenários de recuperação judicial. A introdução de mecanismos de governança robustos contribui para aumentar a confiança dos credores e investidores, além de melhorar a eficiência administrativa da empresa em recuperação.
Entre as principais ações desempenhadas pelo contador estão:
- Criação de Políticas de Controle Interno: O contador pode estabelecer e monitorar procedimentos internos que assegurem a precisão e a conformidade das informações financeiras, reduzindo riscos de fraudes e erros.
- Auditorias Financeiras Periódicas: A realização de auditorias internas e externas regulares reforça a credibilidade da empresa perante credores e o Judiciário. Essas auditorias verificam o cumprimento das metas e das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial.
- Transparência na Comunicação: Relatórios financeiros regulares e detalhados ajudam a manter todas as partes interessadas informadas sobre o progresso da recuperação, promovendo maior engajamento e confiança.
Essas ações são particularmente importantes em empresas familiares ou de gestão ineficiente, onde problemas estruturais podem dificultar o sucesso da recuperação judicial. Por meio da implementação de governança e auditorias, o contador não apenas assegura a conformidade legal e financeira, mas também estabelece um ambiente mais transparente e eficiente para a execução do plano de recuperação.
O contador desempenha um papel essencial no fortalecimento da transparência e da responsabilidade administrativa, especialmente em empresas familiares ou com gestão ineficiente. Em contextos onde práticas administrativas podem ser menos estruturadas, o contador age como um catalisador para implementar padrões de governança corporativa, garantindo a clareza das informações financeiras e gerenciais.
Por exemplo, em empresas familiares, muitas vezes há uma sobreposição entre as finanças pessoais e empresariais, o que pode comprometer a confiança dos credores. O contador pode propor e implementar práticas que separem claramente as esferas financeiras, além de criar relatórios regulares que assegurem a conformidade com os objetivos do plano de recuperação judicial. Além disso, ele pode atuar na introdução de controles internos mais robustos, como auditorias periódicas e sistemas de gestão financeira integrados, que não apenas aumentam a transparência, mas também tornam a empresa mais atraente para potenciais investidores.
Conforme destacado por S. A. Martins, o contador não se limita a avaliar números; ele participa ativamente do desenvolvimento de estratégias que conciliem os interesses de credores e devedores. Isso inclui propor alternativas práticas, como a reestruturação de pagamentos, a identificação de ativos estratégicos para alienação ou arrendamento e a demonstração técnica da viabilidade das medidas sugeridas. O contador também exerce um papel crítico na mediação de conflitos, usando seu conhecimento técnico para esclarecer dúvidas e criar um ambiente de diálogo produtivo entre as partes interessadas.
3.1.1 Colaboração com o Administrador Judicial
Uma atuação integrada entre o contador e o administrador judicial pode fortalecer significativamente a supervisão e a conformidade técnica do plano de recuperação. O administrador judicial é responsável por assegurar que o processo siga os trâmites legais e que os interesses dos credores sejam respeitados, enquanto o contador fornece análises detalhadas e projeções técnicas que servem de base para a tomada de decisões.
3.1.2 Integração Profissional para Qualidade das Propostas
A integração de profissionais de diferentes áreas, como contadores, advogados, economistas e administradores, melhora significativamente a qualidade das propostas apresentadas no plano de recuperação judicial. Essa abordagem multidisciplinar permite uma visão mais abrangente da situação financeira e operacional da empresa, proporcionando soluções que atendam aos interesses de todas as partes envolvidas.
- Contribuição do Contador: O contador analisa as finanças e propõe medidas viáveis com base em dados concretos, como reestruturação de dívidas, arrendamento de ativos e estratégias de captação de recursos.
- Contribuição do Advogado: O advogado garante que as medidas propostas estejam em conformidade com a legislação vigente, defendendo os interesses da empresa durante o processo judicial.
- Contribuição do Economista: O economista traz uma perspectiva ampla sobre os impactos econômicos das medidas no mercado e na viabilidade de longo prazo da empresa.
Essa integração favorece o desenvolvimento de planos mais detalhados e equilibrados, que aumentam as chances de aprovação pelos credores e pelo Judiciário. Por exemplo, em processos como o da Oi S.A., a combinação dessas expertises foi fundamental para alinhar interesses divergentes e criar soluções inovadoras que garantissem a continuidade operacional e financeira da empresa.
Uma atuação integrada entre o contador e o administrador judicial pode fortalecer significativamente a supervisão e a conformidade técnica do plano de recuperação. O administrador judicial é responsável por assegurar que o processo siga os trâmites legais e que os interesses dos credores sejam respeitados, enquanto o contador fornece análises detalhadas e projeções técnicas que servem de base para a tomada de decisões.
Essa colaboração envolve:
- Validação de Dados Financeiros: O contador auxilia o administrador judicial na verificação da veracidade das informações financeiras apresentadas pela empresa em recuperação, identificando inconsistências ou omissões que possam comprometer o processo.
- Elaboração de Relatórios Conjuntos: Relatórios claros e objetivos, elaborados em conjunto, facilitam a comunicação com os credores e o juiz responsável, demonstrando transparência e confiabilidade.
- Monitoramento do Cumprimento do Plano: Durante a execução do plano, o contador pode fornecer atualizações periódicas ao administrador judicial sobre o cumprimento das metas estabelecidas, permitindo ajustes necessários em tempo hábil.
Essa parceria não apenas eleva o nível técnico do processo, mas também aumenta a confiança dos credores e do Judiciário na viabilidade e integridade do plano de recuperação judicial, contribuindo para um desfecho mais eficaz e alinhado aos objetivos da Lei 11.101/2005.
Conforme destacado por Manoel Justino Bezerra Filho, o contador é um elemento técnico essencial que garante clareza e transparência nas informações financeiras. Ele atua como interlocutor técnico entre a empresa, os credores e o administrador judicial, contribuindo para a elaboração de análises de viabilidade econômica, estratégias de negociação e projeções financeiras. Essa atuação é indispensável para construir confiança entre as partes envolvidas e assegurar que as decisões tomadas sejam baseadas em dados concretos e confiáveis.
Além disso, conforme salientado por S. A. Martins, o contador não se limita a avaliar números; ele participa ativamente do desenvolvimento de estratégias que conciliem os interesses de credores e devedores. Isso inclui propor alternativas práticas, como a reestruturação de pagamentos, a identificação de ativos estratégicos para alienação ou arrendamento e a demonstração técnica da viabilidade das medidas sugeridas. O contador também exerce um papel crítico na mediação de conflitos, usando seu conhecimento técnico para esclarecer dúvidas e criar um ambiente de diálogo produtivo entre as partes interessadas.
A capacidade do contador de traduzir dados financeiros complexos em propostas claras e objetivas reforça a credibilidade do plano de recuperação, aumentando suas chances de aprovação pela assembleia de credores. Essa abordagem prática e estratégica torna o contador um agente indispensável para o sucesso do processo de recuperação judicial.
Conforme destacado por Manoel Justino Bezerra Filho, o contador é um elemento técnico essencial que garante clareza e transparência nas informações financeiras. Ele atua como interlocutor técnico entre a empresa, os credores e o administrador judicial, contribuindo para a elaboração de análises de viabilidade econômica, estratégias de negociação e projeções financeiras. Essa atuação é indispensável para construir confiança entre as partes envolvidas e assegurar que as decisões tomadas sejam baseadas em dados concretos e confiáveis.
3.2 Riscos e Desafios
A recuperação judicial não está isenta de riscos, como a resistência de credores em aceitar as condições propostas e a insuficiência de dados financeiros claros por parte da empresa em dificuldade. Esses desafios podem comprometer a viabilidade do plano de recuperação e dificultar sua aprovação. No entanto, práticas como a mediação e a transparência têm se mostrado eficazes para mitigar esses conflitos.
- Auditorias independentes: Garantem a veracidade dos dados financeiros apresentados e aumentam a confiança dos credores no processo.
- Preparação detalhada de documentos: Inclui projeções realistas e planos alternativos de pagamento que atendam a diferentes cenários econômicos.
- Comunicação eficiente e mediação: Estabelecem um ambiente de diálogo entre a empresa e os credores, permitindo a resolução de conflitos e a construção de soluções colaborativas.
A mediação é particularmente útil em negociações complexas, pois facilita a construção de consensos, equilibrando os interesses das partes envolvidas. Além disso, a transparência nas informações financeiras e no cumprimento das metas do plano de recuperação aumenta a credibilidade da empresa e favorece sua aceitação pelos credores e pelo Judiciário. Essas estratégias são fundamentais para superar a resistência inicial e garantir a execução bem-sucedida do plano.
3.3 Análise de Viabilidade
A análise de viabilidade é uma etapa essencial no processo de recuperação judicial, sendo conduzida de maneira técnica e detalhada pelo contador. O objetivo principal é avaliar se as medidas propostas no plano são economicamente sustentáveis e podem assegurar a continuidade das atividades da empresa.
Essa análise deve incluir:
- Projeções Financeiras Realistas: Com base em dados históricos e projeções econômicas, o contador deve elaborar fluxos de caixa que detalhem as receitas e despesas esperadas ao longo do período de recuperação. Essas projeções precisam considerar fatores como sazonalidade, condições de mercado e investimentos necessários para manter as operações.
- Estudos de Cenários Estratégicos: O contador pode participar ativamente do delineamento de cenários que considerem possíveis variações econômicas, setoriais e internas da empresa. Por exemplo, podem ser simulados cenários de alta ou baixa demanda, mudanças em taxas de câmbio, flutuações de custo de matéria-prima ou alterações no comportamento de credores. O delineamento estratégico ajuda a preparar a empresa para diferentes contingências e otimizar as decisões do plano de recuperação.
- Estudos de Cenários: Utilizar testes de sensibilidade para simular diferentes condições macroeconômicas, como variações nas taxas de juros, câmbio, inflação e demanda do mercado. Por exemplo, o contador pode analisar o impacto de um aumento de 5% nos custos fixos sobre a capacidade de pagamento da empresa.
- Análise de Indicadores-Chave: Avaliar métricas financeiras, como EBITDA, margem operacional, liquidez corrente e endividamento, para determinar se a empresa possui condições de honrar seus compromissos e gerar resultados positivos no longo prazo.
- Estrutura de Custos: Mapear e categorizar os custos fixos e variáveis, identificando oportunidades de redução ou ajustes que possam aumentar a eficiência operacional.
- Fontes de Receita: Identificar e diversificar as fontes de receita existentes, além de explorar novas oportunidades que possam surgir durante o processo de recuperação. Isso inclui análise de produtos, serviços e mercados-alvo.
Além disso, o uso de ferramentas tecnológicas tem revolucionado a análise de viabilidade. Softwares especializados, como o SAP Business One e o Oracle Financial Cloud, permitem o monitoramento em tempo real de dados financeiros, projeções automatizadas e a simulação de cenários complexos. Ferramentas como o Tableau ou Power BI auxiliam na visualização e interpretação de dados, facilitando a comunicação com credores e administradores judiciais.
A análise de viabilidade deve ser documentada em relatórios técnicos claros e objetivos, que possam ser apresentados aos credores e ao administrador judicial como base para justificar as medidas propostas. A clareza na comunicação desses dados aumenta a confiança nas projeções e favorece a aprovação do plano de recuperação. Exemplos práticos, como a reorganização operacional da Oi S.A., ilustram como projeções bem elaboradas podem fundamentar renegociações com credores e atrair novos investimentos, garantindo a continuidade das operações.
3.4 Aplicação do Art. 50 da Lei 11.101/2005
O Art. 50 apresenta medidas exemplificativas que podem ser aplicadas no plano de recuperação judicial. Cada medida possui aplicabilidades práticas distintas, dependendo do setor econômico, da situação financeira da empresa e do perfil dos credores envolvidos. Por exemplo, enquanto a renegociação de dívidas pode ser mais comum em setores altamente alavancados, o arrendamento de ativos pode ser estratégico para indústrias com grande número de bens produtivos.
No entanto, conforme Bezerra Filho destaca, nem todas as medidas são aplicáveis a qualquer empresa. A captação de recursos, por exemplo, exige uma estrutura sólida e credibilidade no mercado. Já a alteração do objeto social requer um planejamento estratégico robusto para identificar novos mercados ou oportunidades. A seguir, detalham-se os itens com base em sua definição, vantagens e exemplos práticos, apresentados em um quadro-resumo:
Medida | Definição | Vantagens | Exemplo Prático |
---|---|---|---|
Arrendamento de Ativos | Cessão temporária de bens ou unidades produtivas a terceiros. | Geração de receita imediata. | Avianca Brasil (2019). |
Renegociação de Dívidas | Revisão de prazos, juros ou condições de pagamento com credores. | Redução de custos financeiros. | Oi S.A. (2016-2022). |
Substituição de Administradores | Alteração de gestores para melhorar a governança. | Maior eficiência operacional. | Ecovix (2017). |
Captação de Recursos | Emissão de ações ou debêntures para atrair investimentos. | Incremento de liquidez. | Usina São Fernando (2018). |
Alteração do Objeto Social | Adequação do objeto social às novas demandas de mercado. | Diversificação de receitas. | MMX Mineração (2014). |
Para enriquecer essa discussão, considere o caso da Avianca Brasil: durante o processo de recuperação judicial, a empresa utilizou o arrendamento de slots aeroportuários, cedendo temporariamente direitos de operação para companhias como Gol e Latam. Essa estratégia permitiu à Avianca gerar receitas de curto prazo que foram essenciais para financiar operações críticas, como manutenção de aeronaves e salários, enquanto buscava a reorganização de sua estrutura de dívidas. Esse exemplo ilustra como o Art. 50 pode ser utilizado de forma criativa para adaptar soluções às necessidades específicas de uma empresa em crise, equilibrando a preservação de ativos estratégicos e a geração de liquidez imediata.
Outro caso emblemático é o da Oi S.A., que durante seu processo de recuperação judicial renegociou mais de R$ 65 bilhões em dívidas. A análise detalhada do fluxo de caixa e das condições contratuais permitiu que a empresa renegociasse prazos, reduzisse encargos financeiros e até convertesse parte das dívidas em ações. Essas medidas, aliadas à venda de ativos não essenciais, garantiram não apenas a continuidade das operações, mas também um aumento na confiança dos credores e investidores. Esse exemplo demonstra como a aplicação criteriosa do Art. 50, respaldada por uma análise financeira sólida, pode viabilizar a recuperação de grandes conglomerados.
3.5 Comparação com o Capítulo 11
O Capítulo 11 do Bankruptcy Code dos Estados Unidos oferece uma abordagem mais flexível e moderna em relação à reestruturação empresarial, sendo amplamente reconhecido como um modelo que prioriza a proteção do devedor. Essa abordagem reflete-se em três pilares principais:
- Maior flexibilidade nas negociações: O sistema norte-americano permite renegociações amplas e adaptáveis, envolvendo credores e partes interessadas. Diferentemente do modelo brasileiro, que segue regras mais rígidas, o Capítulo 11 concede maior autonomia às empresas para propor soluções criativas e personalizadas.
- Proteção ao devedor: Durante o período de recuperação, o devedor tem proteção contra ações judiciais e execuções promovidas por credores, o que garante a estabilidade necessária para implementar as estratégias do plano. No Brasil, a suspensão de ações é limitada e muitas vezes insuficiente para proteger a empresa contra pressões externas.
- Supervisão judicial eficiente: Nos Estados Unidos, o papel do “trustee” ou administrador judicial é crucial para equilibrar os interesses de credores e devedores. A supervisão é técnica e rigorosa, mas não interfere excessivamente na autonomia do devedor. No Brasil, o administrador judicial tem atribuições mais restritas, o que pode limitar a eficácia do processo.
Essas características fazem do Capítulo 11 um modelo mais dinâmico e adaptável, especialmente em cenários de crise global. Para o Brasil, a incorporação de elementos como maior flexibilidade nas negociações e proteção ao devedor poderia fortalecer a Lei 11.101/2005, ampliando sua eficácia e atraindo mais confiança de investidores e credores internacionais.
Além disso, o Capítulo 11 permite o uso de “debtor-in-possession financing” (DIP), uma ferramenta que possibilita à empresa levantar novos recursos durante o processo de recuperação, com garantias diferenciadas e priorização em caso de falência. Esse instrumento, inexistente na legislação brasileira, poderia ser adaptado para fornecer liquidez às empresas em recuperação, fortalecendo suas operações.
Outro aspecto relevante é a possibilidade de modificação mais ampla dos contratos existentes sob o Capítulo 11, permitindo renegociações que tornem as condições contratuais mais alinhadas com a nova realidade financeira da empresa. A adoção de práticas similares no Brasil poderia oferecer maior flexibilidade às empresas em crise, assegurando condições que promovam sua sustentabilidade.
O aprimoramento das práticas de governança e da supervisão judicial, aliado a mecanismos como o DIP e renegociações mais amplas, seriam passos importantes para modernizar a recuperação judicial no país, aumentando sua eficácia no cenário global.
- Conclusão
A Recuperação Judicial é essencial para a sobrevivência de empresas em crise, representando uma alternativa vital para preservar empregos, atividade econômica e a solvência do mercado. O contador desempenha um papel crucial na execução das medidas previstas no Art. 50, desde a formulação técnica até a articulação com credores, funcionando como um elo de confiança entre a empresa e seus stakeholders.
Casos como o da Avianca Brasil e Oi S.A. reforçam a importância de uma análise financeira sólida e de soluções criativas no processo de recuperação judicial. A Avianca, por exemplo, conseguiu gerar receitas imediatas por meio do arrendamento de slots aeroportuários, enquanto a Oi utilizou renegociações complexas de dívidas e venda de ativos para estabilizar suas operações. Esses exemplos demonstram como a aplicação criteriosa das medidas previstas na Lei 11.101/2005 pode trazer resultados concretos e viabilizar a recuperação.
Ferramentas tecnológicas, como softwares de análise financeira (SAP Business One e Oracle Financial Cloud) e plataformas de visualização de dados (Power BI e Tableau), potencializam ainda mais a atuação do contador. Essas tecnologias não apenas agilizam a comunicação entre credores e devedores e tornam as projeções mais confiáveis, mas também ajudam a enfrentar desafios cruciais, como a resistência dos credores e a insuficiência de dados financeiros claros. Além disso, a implementação de auditorias digitais e análises financeiras em tempo real reforça a transparência e a confiabilidade do processo de recuperação judicial.
A integração profissional, envolvendo contadores, administradores judiciais, advogados e economistas, desempenha um papel central na elaboração de planos equilibrados e viáveis. Essa abordagem colaborativa permite alinhar interesses divergentes e aumentar a qualidade técnica das propostas apresentadas, fortalecendo a confiança de credores e do Judiciário.
Apesar de avançada, a Lei 11.101/2005 apresenta áreas que podem ser aprimoradas. Um maior detalhamento sobre a substituição de gestores, a flexibilização nas negociações com credores e a emissão de valores mobiliários, como demonstrado no Capítulo 11 dos Estados Unidos, poderia fortalecer a eficiência e a abrangência da lei brasileira. A modernização da legislação, com a incorporação de práticas internacionais como maior proteção ao devedor e supervisão técnica robusta, seria um passo essencial para consolidar a confiança de investidores nacionais e estrangeiros.
Além disso, a crescente complexidade do mercado global exige uma adaptação constante. O alinhamento com padrões internacionais de governança corporativa e a adoção de práticas modernas de gestão financeira são elementos indispensáveis para aumentar a credibilidade das empresas brasileiras. Por fim, a combinação de tecnologia, governança e colaboração entre os profissionais envolvidos pode garantir um processo de recuperação judicial mais eficaz e sustentável a longo prazo.
- Referências
- BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022.
- BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Regula o mercado de valores mobiliários e cria a CVM. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- MARTINS, S. A. O Papel do Contador na Recuperação Judicial. Revista de Contabilidade Empresarial, v. 12, n. 2, p. 35-48, 2021.
- SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Teoria e Prática. 8ª ed. São Paulo: Edição Kindle, 2024.
- SERASA EXPERIAN. Relatório de Recuperação Judicial no Brasil – 2023. Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br. Acesso em: 18 dez. 2024.
- BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022.
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