QUANDO A FALÊNCIA ROMPE A PERSONALIDADE JURÍDICA: CONSEQUÊNCIAS PARA OS SÓCIOS EM SOCIEDADES LIMITADAS
WHEN BANKRUPTCY PIERCES THE CORPORATE VEIL: CONSEQUENCES FOR MEMBERS OF LIMITED LIABILITY COMPANIES
Fabyo Von-Grapp Santos1
Resumo: O presente artigo tem por objeto analisar como os efeitos da falência podem ser estendidos aos sócios de sociedades limitadas através da desconsideração da personalidade jurídica, examinando as implicações legais e práticas dessa medida quando há deferimento e indeferimento da decisão. Assim, o presente texto se mostra relevante pois investiga a aplicabilidade e os impactos da desconsideração nos casos de falência, destacando suas consequências para os sócios e a liquidação dos passivos. A pesquisa desenvolvida adota uma metodologia teórica, baseada em análise bibliográfica de doutrina, legislação e jurisprudência dos tribunais superiores. Por fim, os resultados demonstraram que a desconsideração é uma medida excepcional, aplicável somente quando há abuso de finalidade ou confusão patrimonial. Contudo, em situações onde o abuso não foi comprovado, os tribunais mantiveram a separação patrimonial, protegendo a autonomia dos sócios e incentivando o empreendedorismo, promovendo assim um equilíbrio entre a proteção dos credores e a preservação dos direitos dos sócios.
Palavras-chave: Desconsideração da Personalidade Jurídica (DPJ); Falência; Responsabilidade dos Sócios; Sociedades limitadas; Autonomia Patrimonial.
Abstract: This article aims to analyze how the effects of bankruptcy can be extended to members of limited liability companies through the piercing of the corporate veil, examining the legal and practical implications of this measure when the decision is granted or denied. Thus, this text is relevant as it investigates the applicability and impacts of piercing the corporate veil in bankruptcy cases, highlighting its consequences for the members and the liquidation of debts. The research adopts a theoretical methodology, based on a bibliographical analysis of doctrine, legislation, and jurisprudence from higher courts. Finally, the results demonstrated that piercing the corporate veil is an exceptional measure, only applicable when there is a misuse of corporate structure or asset commingling. However, in cases where such misuse was not proven, courts upheld the separation of assets, protecting the members’ autonomy and encouraging entrepreneurship, thereby promoting a balance between creditor protection and the preservation of members’ rights.
Keywords: Piercing the Corporate Veil (PCV). Bankruptcy. Shareholder Liability. Limited Liability Companies. Asset Autonomy.
1 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6998-3047. Mestrando no Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA, Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela FGV, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA, Graduado em Processamento de Dados pela Universidade da Amazônia – UNAMA, Membro da Associação Brasileira de Lawtechs & Legaltechs – AB2L, Membro da Associação Brasileira de Administradores Judiciais – ABAJUD, Advogado nas áreas Tributária e Insolvência. Cel. (91) 98116.6676. E-mail: adv@vongrapp.com.br
1 INTRODUÇÃO
A desconsideração da personalidade jurídica (DPJ) em processos de falência representa um dos temas mais sensíveis e complexos no direito empresarial brasileiro. Esse mecanismo, que permite estender os efeitos da falência aos sócios de uma sociedade limitada, ultrapassando a tradicional separação entre o patrimônio pessoal e o empresarial, tem implicações jurídicas, econômicas e sociais profundas. A crescente aplicação da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências – LRF) trouxe novos desafios para a análise da DPJ, especialmente no que tange ao equilíbrio entre a proteção dos credores e a preservação da autonomia patrimonial dos sócios.
Desde a promulgação da LRF, Neto (2005) esclarece que, a jurisprudência brasileira vem evoluindo no sentido de adotar critérios mais rígidos para a aplicação da DPJ, exigindo a comprovação de elementos como abuso de personalidade jurídica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Esses requisitos, amplamente debatidos pela doutrina e ratificados em diversos julgados dos tribunais superiores, revelam a necessidade de proteger os credores, ao mesmo tempo em que se resguarda o patrimônio dos sócios que agem de boa-fé. Essa evolução jurisprudencial destaca a importância de um exame minucioso dos fatos, evitando que uma simples inadimplência empresarial possa resultar na quebra do véu patrimonial.
É neste contexto que a presente pesquisa busca aprofundar a análise sobre as condições nas quais a DPJ é aplicada em casos de falência. Compreender essas condições é essencial para que se possa avaliar tanto as situações em que a medida foi deferida quanto os casos em que os tribunais decidiram pela sua rejeição, seja por insuficiência de provas ou pela ausência de abuso de direito. Nesse sentido, o estudo se justifica pela relevância em investigar os impactos dessa extensão sobre os sócios e sobre o ambiente empresarial brasileiro, considerando as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Além disso, ao investigar as consequências práticas da DPJ, busca-se compreender como a insegurança jurídica gerada por sua aplicação afeta diretamente o comportamento dos empresários, influenciando suas decisões de investimento e gestão de risco. O impacto social e reputacional também se mostra relevante, pois, ao ter seu patrimônio pessoal atingido, o sócio enfrenta dificuldades para se reinserir no mercado, carregando o estigma da falência.
Dessa forma, o presente estudo não se limita a uma discussão teórica, mas também explora as implicações práticas da DPJ, propondo-se a responder a seguinte questão de pesquisa: “Em que condições e quais impactos da falência podem ser estendidos aos sócios de sociedades limitadas?”.
A análise dessa questão é fundamental para delinear os parâmetros que os tribunais têm utilizado para deferir ou indeferir essa medida, e como tais decisões afetam o ambiente de negócios no Brasil. A metodologia adotada, de caráter teórico, baseia-se em uma análise bibliográfica e jurisprudencial, examinando os principais julgados dos tribunais superiores. Casos paradigmáticos, como o REsp 1.735.129/MG, no qual o STJ indeferiu a DPJ, e o RE 413.040/RS, no qual o STF a deferiu, servem como exemplos práticos que permitem compreender as nuances que justificam tais decisões.
Em suma, esta pesquisa se propõe a explorar as nuances da DPJ em processos de falência, considerando não apenas os aspectos legais, mas também os impactos práticos dessa medida no ambiente empresarial brasileiro. Dessa forma, espera-se que os resultados contribuam para uma compreensão mais abrangente das consequências da extensão dos efeitos da falência aos sócios, ajudando a definir os parâmetros para a aplicação ou o indeferimento dessa medida nos tribunais.
2 CONDIÇÕES SOB AS QUAIS A FALÊNCIA ROMPE A PERSONALIDADE JURÍDICA. No contexto do direito brasileiro, de acordo com Garbi (2022), a extensão da falência ou falência deriva e suas implicações têm gerado intensos debates entre juristas e operadores do direito. Desde a promulgação da LRF, ficou estabelecido que a falência não se estende automaticamente aos sócios de sociedades limitadas. No entanto, a DPJ permite que seus bens sejam atingidos em situações específicas, como nos casos de abuso de personalidade. Ressalta-se que, essa questão traz à tona uma das principais controvérsias: seria a extensão da falência uma forma de DPJ ou uma consequência direta da falência? Essa distinção é essencial, pois afeta diretamente a forma como se equilibram a proteção dos credores e os direitos dos sócios, que não devem ser considerados falidos em sua totalidade. Além disso, essa diferenciação implica abordagens legais e consequências distintas para os sócios e administradores envolvidos (Garbi, 2022).
Outro ponto de debate destacado por Garbi (2022) é, ao tratar da responsabilidade dos sócios em sociedades limitadas e anônimas. O autor ressalta que, em princípio, a falência da sociedade não deveria impactar os bens pessoais dos sócios de responsabilidade limitada. Contudo, a extensão da falência pode levar à responsabilização patrimonial, o que contraria essa proteção e gera insegurança jurídica. Assim, essa tensão entre a proteção dos sócios e a necessidade de garantir os direitos dos credores é uma das grandes dificuldades no contexto da falência.
Além disso, Sacramone (2015) aponta que a LRF trouxe significativas mudanças legislativas, abolindo a antiga prática de extensão direta da falência aos sócios. A legislação atual considera falido apenas o sócio de responsabilidade ilimitada, o que gerou discussões sobre a necessidade e adequação da manutenção da extensão da falência. Esse debate demonstra que a DPJ é uma medida que deve ser aplicada de forma excepcional, exigindo provas claras de abuso de personalidade, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial, e sua subjetividade na aplicação pode resultar em decisões divergentes, gerando insegurança jurídica.
Nesse contexto, Garbi (2022) esclarece que a aplicação da DPJ, ao atingir os bens dos sócios em casos de abuso, é frequentemente confundida com a extensão da falência. Essa confusão, por sua vez, gera incertezas sobre quando e como cada medida deve ser aplicada, especialmente em processos falimentares. As controvérsias que surgem a partir dessa distinção refletem a complexidade do tema e demonstram a importância de uma análise cuidadosa por parte dos tribunais e legisladores, garantindo a proteção dos credores sem desconsiderar os direitos dos sócios.
A DPJ, como medida jurídica excepcional, visa proteger os credores diante de práticas abusivas cometidas pelos sócios. Esse instrumento, como nos ensina Neto (2005), é amplamente consagrado no direito brasileiro, tem como base a teoria da DPJ, que permite ultrapassar o véu societário quando se identifica desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Nesse sentido, o art.
50 do CC (Brasil, 2002) e a LRF são os principais pilares normativos que justificam a desconsideração em casos de falência. Porém, a aplicação dessa medida exige a comprovação clara de tais práticas abusivas, como reiterado na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.
Além disso, a aplicação da DPJ em processos de falência tem como objetivo principal preservar a integridade do sistema econômico, evitando que sócios utilizem a proteção patrimonial da sociedade como uma forma de encobrir atos lesivos aos credores. No emblemático caso RE 413.040/RS, relatado pelo Ministro Celso de Mello, ficou claro que, ao se comprovar a confusão patrimonial entre a empresa e os sócios, os efeitos da falência devem ser estendidos ao patrimônio pessoal, garantindo que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos quando a empresa é utilizada como fachada para interesses ilegítimos (STF, RE 413.040/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.08.2005, DJe 12.09.2005).
Contudo, como bem argumenta Coelho (2021), a DPJ não pode ser aplicada de forma indiscriminada, sob pena de comprometer a segurança jurídica e a estabilidade do ambiente de negócios. Ele destaca que, para que a medida seja legítima, é essencial que haja prova inequívoca
de abuso, como o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. A falência ou a insolvência da empresa, por si só, não são suficientes para justificar a desconsideração. Essa cautela é indispensável para assegurar que sócios de boa-fé estejam protegidos contra responsabilizações injustas, preservando o princípio da autonomia patrimonial.
No REsp 1.735.129/MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, o STJ reafirmou que a aplicação da DPJ deve ser vista como um último recurso. Nesse sentido, a Ministra enfatizou que a responsabilidade patrimonial dos sócios só pode ser estendida quando o credor consegue demonstrar, de forma robusta, que os sócios agiram de má-fé. Sem essa prova de abuso da personalidade jurídica, o patrimônio dos sócios deve ser protegido, uma vez que a simples inadimplência ou insolvência da empresa não justificam o rompimento do véu societário (STJ, REsp 1.735.129/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.11.2018, DJe 29.11.2018).
Assim, torna-se evidente que a DPJ tem como objetivo responsabilizar os sócios em circunstâncias excepcionais, quando comprovada a má-fé ou o abuso de direito. O critério do desvio de finalidade, como aplicado no RE 583.955/RS, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, reforça a ideia de que a intenção do legislador é evitar fraudes. Sem a demonstração clara de que a empresa foi utilizada abusivamente para beneficiar interesses pessoais, a autonomia patrimonial dos sócios deve ser mantida, promovendo a segurança jurídica e o equilíbrio no ambiente de negócios (STF, RE 583.955/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 03.12.2009, DJe 10.02.2010).
Além disso, é importante destacar que a preservação do empreendedorismo é um dos principais objetivos do direito empresarial brasileiro. Adverte Forgione (2015) que, a aplicação indiscriminada da DPJ pode gerar insegurança jurídica e inibir novos investimentos. Assim, a autora afirma que os sócios devem sentir que suas responsabilidades estão limitadas ao capital social investido, salvo em casos de comprovado abuso. Portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve sempre observar o equilíbrio entre a proteção dos credores e a manutenção de uma atividade econômica saudável.
Por fim, a jurisprudência tem reafirmado que os sócios de boa-fé devem estar protegidos da aplicação indevida da DPJ. As decisões analisadas demonstram que, enquanto os tribunais visam garantir a proteção dos credores, é fundamental que o equilíbrio entre a responsabilidade patrimonial e a preservação da atividade empresarial seja mantido. Nesse sentido, Sacramone (2019) reforça que o excesso de medidas punitivas contra sócios pode causar retração de investimentos e cautela excessiva por parte dos empreendedores, impactando diretamente o crescimento econômico e a inovação no Brasil.
Em suma, a aplicação da DPJ em casos de falência tem sido criteriosa nos tribunais, baseando-se na análise detalhada da conduta dos sócios e nos princípios que regem a responsabilidade patrimonial. O equilíbrio entre a proteção dos credores e a manutenção do incentivo ao empreendedorismo é um dos maiores desafios enfrentados pelos juristas ao tratar da desconsideração da personalidade jurídica.
3 CONDIÇÕES SOB AS QUAIS A FALÊNCIA NÃO ROMPE A PERSONALIDADE JURÍDICA
A regra geral no direito brasileiro é a separação entre o patrimônio da empresa e o patrimônio dos sócios. Conforme o art. 1.052 do CC, nas sociedades limitadas, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas quotas (Brasil, 2002). Essa regra foi aplicada em diversos julgados, inclusive no STF, quando não se verificou o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sendo indeferido o pedido de DPJ.
A DPJ no direito brasileiro tem o papel de proteger credores em situações de abuso, mas sua aplicação, especialmente em processos de falência, requer uma análise criteriosa. Desse modo, a falência, por si só, não é suficiente para romper a separação patrimonial entre a empresa e seus sócios. Esclarece-se que, o art. 50 do CC estabelece que a DPJ só é possível quando comprovado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial (Brasil, 2002). Nesse sentido, nos ensina Coelho (2021) que, as situações em que a falência não rompe a personalidade jurídica revelam o cuidado dos tribunais ao preservar a autonomia patrimonial dos sócios, protegendo-os de responsabilidades injustas.
No julgamento do REsp 1.120.295/SP, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o STJ reafirmou a aplicação restritiva da DPJ e a extensão dos efeitos da falência aos sócios de responsabilidade limitada. Nesse caso, foi analisada a possibilidade de se alcançarem os bens pessoais dos sócios para o pagamento das dívidas da empresa insolvente.
De forma cautelosa, a Ministra destacou que a DPJ não poderia ser aplicada de maneira automática, exigindo-se, para tanto, a comprovação de abuso da personalidade jurídica, seja por desvio de finalidade, seja por confusão patrimonial, conforme estabelecido no art. 50 do CC (Brasil, 2002). Dessa forma, Andrighi (2012) argumenta que o simples fato de a empresa estar inadimplente ou insolvente não justificava, por si só, a quebra da autonomia patrimonial dos sócios, ressaltando a necessidade de elementos mais concretos.
Ademais, ao longo de seu voto, a Ministra enfatizou a importância de preservar a autonomia patrimonial, especialmente nas sociedades limitadas, onde a separação entre o patrimônio da empresa e o dos sócios é um princípio basilar. Ela ponderou que a desconsideração da personalidade jurídica só deve ser aplicada quando houver provas claras de que os sócios usaram a empresa como instrumento para fraudes ou para a evasão de suas responsabilidades financeiras.
Assim, em ausência de provas concretas de abuso, ela concluiu que os bens pessoais dos sócios não poderiam ser alcançados. Esse entendimento reforçou a jurisprudência consolidada, que vê a DPJ como uma medida excepcional, destinada apenas a situações específicas, assegurando, assim, o equilíbrio entre a proteção aos credores e a segurança jurídica dos sócios de boa-fé.
Além disso, Andrighi abordou de forma detalhada o conceito de “confusão patrimonial”, explicando que ele ocorre quando não há distinção clara entre o patrimônio dos sócios e o da empresa. No entanto, ela fez questão de frisar que essa confusão não pode ser presumida, devendo ser demonstrada por meio de evidências claras e robustas. Ela mencionou, em apoio a sua argumentação, precedentes anteriores do STJ que seguiram o mesmo entendimento, reforçando a necessidade de prudência ao aplicar a DPJ, evitando, assim, uma responsabilização injusta de sócios que atuaram dentro dos limites de suas responsabilidades.
Portanto, a jurisprudência pacífica do STJ e do STF tem evoluído no sentido de que a DPJ deve ser tratada como uma exceção à regra, aplicável apenas quando se verificam abusos que comprometem a integridade do sistema jurídico e econômico. A relatora trouxe à tona o princípio da segurança jurídica como elemento essencial para a manutenção da autonomia patrimonial, ressaltando que, ao proteger os sócios de boa-fé de uma responsabilização arbitrária, o STJ fomenta a confiança dos empreendedores no sistema legal, criando um ambiente propício para o desenvolvimento empresarial.
Em paralelo, a doutrina de renomados juristas como Coelho (2021) e Sacramone (2019) foi referenciada para reforçar a importância da manutenção da separação patrimonial, exceto em casos de comprovada má-fé. Coelho (2021) ressaltou que a autonomia patrimonial incentiva o empreendedorismo, permitindo que os sócios arrisquem seu capital sem temer a perda de seus bens pessoais, desde que ajam dentro dos limites da responsabilidade limitada. Já Sacramone (2019) complementou, esclarecendo que a DPJ é uma medida corretiva, destinada a resguardar o direito dos credores apenas em situações de abuso, e não como uma ferramenta punitiva indiscriminada.
Ainda, a relatora baseou-se na LRF, destacando os arts. 129 e 130, que conferem ao juiz universal da falência a autoridade para decidir sobre a extensão dos efeitos da falência aos sócios.
Ela enfatizou que a concentração dessas decisões nas mãos do juiz da falência é essencial para assegurar a uniformidade e evitar decisões contraditórias, que poderiam enfraquecer a segurança jurídica e a previsibilidade do sistema de insolvência empresarial.
Por fim, a decisão no REsp 1.120.295/SP consolidou o entendimento de que a simples inadimplência ou falência de uma empresa não constitui motivo suficiente para a extensão dos efeitos da falência aos sócios sem a devida comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Esse entendimento, ancorado na LRF e reforçado pela doutrina e pela jurisprudência, visa proteger os sócios que atuam de boa-fé, assegurando que a responsabilidade pessoal só seja imputada em situações excepcionais. Em última análise, a decisão reafirma a necessidade de equilibrar a proteção aos credores com a segurança jurídica dos sócios, promovendo um ambiente empresarial estável e justo.
Outro ponto relevante a ser discutido é a importância da distinção entre extensão da falência e DPJ, como bem destacado por Garbi (2022). Ele observa que a confusão entre essas duas figuras jurídicas é frequente, mas são institutos distintos. A extensão da falência, prevista na LRF, alcança administradores e sócios de responsabilidade ilimitada, sem romper a personalidade jurídica, enquanto a DPJ, por sua vez, exige a comprovação de abuso, como o desvio de finalidade, para que o patrimônio pessoal dos sócios de sociedades limitadas seja atingido. Logo, essa distinção é crucial para garantir que a falência não seja usada como pretexto para atingir injustamente os bens dos sócios de responsabilidade limitada.
A jurisprudência reforça a necessidade de análise detalhada das provas antes de se romper a personalidade jurídica. Destaca-se o REsp 1.264.224/SC, relatado pelo Ministro João Otávio de Noronha, em que o STJ reiterou que, na ausência de prova concreta de abuso, o patrimônio dos sócios deve permanecer protegido. Esse caso foi emblemático ao reafirmar que a falência, por si só, não pode ser um gatilho para a desconsideração da personalidade jurídica, destacando o papel essencial da comprovação de desvio de finalidade ou confusão patrimonial como requisitos (STJ, REsp 1.264.224/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 10.05.2017, DJe 19.05.2017).
De forma semelhante, a decisão do STF no RE 413.040/RS, relatado pelo Ministro Celso de Mello, também destacou a importância da comprovação de abuso para justificar a desconsideração da personalidade jurídica em casos de falência. No referido caso, o Ministro argumentou que, ao se comprovar a confusão patrimonial, os efeitos da falência poderiam ser estendidos aos bens dos sócios. No entanto, sem essa prova, a autonomia patrimonial dos sócios deve ser preservada (STF, RE 413.040/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.08.2005, DJe 12.09.2005). Esse julgamento reforça
que a preservação do patrimônio dos sócios é a regra, e a desconsideração é uma exceção, aplicável apenas em casos claros de abuso.
Ressalta Forgione (2015) que, a segurança jurídica deve ser a base da aplicação de qualquer medida que envolva a desconsideração da personalidade jurídica. Ela enfatiza que o rompimento da personalidade jurídica em processos de falência, quando indevido, pode desincentivar investimentos e gerar uma cultura de medo entre empreendedores. Isso contraria o próprio princípio de promoção do desenvolvimento econômico, que é uma das bases do direito empresarial. Portanto, garantir que a DPJ seja aplicada de forma criteriosa e apenas em casos excepcionais preserva a confiança no sistema jurídico e no ambiente de negócios.
Em suma, a falência, sem comprovação clara de abuso, não deve servir como justificativa para romper a personalidade jurídica. A jurisprudência e a doutrina brasileira são enfáticas ao reforçar que a DPJ só deve ser aplicada quando houver evidências robustas de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Tal abordagem assegura que os sócios de boa-fé continuem protegidos e que o ambiente de negócios no Brasil permaneça estável e seguro para novos investimentos e para a continuidade das atividades econômicas.
4 IMPACTOS DA DESCONSIDERAÇÃO PARA OS SÓCIOS DAS EMPRESAS EM FALÊNCIA.
A DPJ nos processos de falência tem impactos profundos e diretos sobre os sócios das empresas envolvidas, levando a um questionamento sobre a extensão da responsabilidade pessoal. Conforme disposto no art. 50 do CC (Brasil, 2002), a DPJ permite que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos para satisfazer as dívidas da empresa, desde que haja comprovação de abuso, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Nessa linha, em Brasil (2005), os arts. 129 e 130 da LRF trazem importantes nuances à discussão. Esclarece Coelho (2021) que, o art. 129 da LRF dispõe que a falência atinge todos os bens do devedor, enquanto o art. 130 complementa que, em caso de sócios de responsabilidade ilimitada, o juiz pode estender os efeitos da falência a seus bens pessoais. Assim, Garbi (2022) aduz que, essa disposição deixa clara a distinção entre a responsabilidade dos sócios de responsabilidade limitada e ilimitada, preservando a autonomia patrimonial, salvo quando houver abuso.
Nesse contexto, a jurisprudência do STJ tem sido firme ao reforçar a necessidade de comprovação inequívoca de abuso para justificar a desconsideração, especialmente quando se trata de sócios de responsabilidade limitada. No REsp 1.735.129/MG, a Ministra Nancy Andrighi
destacou que a mera inadimplência ou insolvência da empresa não constitui fundamento suficiente para desconsiderar a personalidade jurídica (STJ, REsp 1.735.129/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.11.2018, DJe 29.11.2018). A aplicação indevida dessa medida poderia causar prejuízos injustificados aos sócios que, em regra, têm sua responsabilidade limitada ao capital investido. Assim, a combinação do art. 50 do CC com os arts. 129 e 130 da LRF reforça o cuidado com a extensão das responsabilidades patrimoniais, exigindo que a desconsideração seja medida excepcional.
A jurisprudência do STF também tem sido clara em proteger os direitos adquiridos dos sócios, especialmente em situações em que não se verifica o uso indevido da personalidade jurídica. No RE 612.641/SP, o STF destacou que a responsabilidade limitada é um direito adquirido dos sócios, que não pode ser afastado sem justa causa e comprovação de abuso (STF, RE 612.641/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25.03.2014, DJe 14.04.2014).
Financeiramente, os impactos da desconsideração para os sócios são imensos. Ressalta-se que, ao permitir que os bens pessoais sejam utilizados para cobrir as dívidas da empresa, a desconsideração pode comprometer a capacidade de os sócios se reintegrarem no mercado, afetando suas futuras iniciativas empresariais e seus recursos financeiros pessoais.
Além disso, Garbi (2022) ressalta que, ao aplicar indevidamente a desconsideração, cria-se uma insegurança jurídica que desestimula novos investimentos, o que pode comprometer o desenvolvimento econômico e o empreendedorismo. Em especial, o art. 130 da LRF destaca que a falência de sócios com responsabilidade ilimitada pode ser estendida aos seus bens pessoais, mas, no caso dos sócios limitados, essa extensão só deve ocorrer se comprovado o desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Além das perdas patrimoniais, os efeitos sociais e psicológicos sobre os sócios são igualmente relevantes. A perda do patrimônio pessoal, somada ao estigma da falência, pode afetar negativamente a reputação e a credibilidade desses indivíduos no mercado. Analisa Coelho (2021), como a desconsideração pode causar danos irreparáveis à dignidade dos sócios, especialmente quando aplicada de forma arbitrária. Assim, ao permitir que sócios sejam expostos publicamente a processos judiciais sem as devidas provas de má-fé, os tribunais podem comprometer o futuro desses empreendedores, criando um ambiente de receio e incerteza.
É imperioso destacar outro ponto crucial, que diz respeito ao comportamento dos empreendedores em face da possibilidade de responsabilização pessoal. É incontroverso que, A
insegurança jurídica gerada por uma aplicação arbitrária da DPJ, especialmente quando não se comprovam abusos, pode inibir a criação de novas empresas e o investimento em negócios. Nesse sentido, Forgione (2015) reforça que a aplicação indiscriminada da desconsideração pode enfraquecer o dinamismo do mercado brasileiro ao desincentivar o empreendedorismo. O art. 129 da LRF, ao deixar claro que a falência atinge todos os bens do devedor, incluindo aqueles dos sócios com responsabilidade ilimitada, cria uma salvaguarda para os sócios de responsabilidade limitada, mas a insegurança jurídica surge quando essa separação não é respeitada. Nesse sentido, o TJSP também trouxe um importante precedente sobre a necessidade de rigor na aplicação da desconsideração. No TJSP, Apelação 1011467-84.2019.8.26.0564, o relator Desembargador Álvaro Passos reiterou que a desconsideração da personalidade jurídica só pode ocorrer mediante a demonstração clara de abuso, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (TJSP, Apelação 1011467-84.2019.8.26.0564, Rel. Des. Álvaro Passos, j. 17.06.2020). Desse modo, esse julgamento é relevante porque reforça a ideia de que os sócios de responsabilidade limitada só devem ter seus bens atingidos em circunstâncias excepcionais, evitando o uso indiscriminado da desconsideração.
A jurisprudência do STF também reforça a aplicação cuidadosa da desconsideração. No RE 413.040/RS, o Ministro Celso de Mello destacou que a extensão da responsabilidade patrimonial só pode ocorrer quando há comprovação de abuso por parte dos sócios, reafirmando que a confusão patrimonial deve ser clara para justificar o rompimento da personalidade jurídica (STF, RE 413.040/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.08.2005, DJe 12.09.2005). Esse julgamento é uma aplicação prática dos princípios estabelecidos pela LRF, reforçando a necessidade de provas robustas para que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos.
Por outro lado, a DPJ quando aplicada de forma justa e criteriosa, cumpre seu papel de proteger os credores e o sistema econômico. Defende Sacramone (2019) que, a DPJ é fundamental para impedir que sócios se utilizem da personalidade jurídica como escudo para práticas fraudulentas. Contudo, a LRF e os julgados do STJ e STF deixam claro que essa medida deve ser tomada com base em provas robustas e de forma excepcional, garantindo que os sócios de boa-fé não sejam prejudicados.
Em conclusão, os impactos da desconsideração para os sócios de empresas em falência são variados e profundos, afetando tanto o patrimônio pessoal quanto a credibilidade empresarial dos envolvidos. Os arts. 129 e 130 da LRF, combinados com o art. 50 do CC, estabelecem balizas importantes para que a desconsideração só seja aplicada em casos de abuso devidamente
comprovado, preservando assim a segurança jurídica e a autonomia patrimonial dos sócios. Além disso, a jurisprudência do STJ, STF e TJSP reforça a necessidade de uma aplicação criteriosa da medida, garantindo que os credores sejam protegidos sem comprometer o desenvolvimento do ambiente empresarial.
5 CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA AOS SÓCIOS NO AMBIENTE EMPRESARIAL BRASILEIRO.
A extensão dos efeitos da falência aos sócios de sociedades limitadas, por meio da DPJ, tem implicações profundas no ambiente empresarial brasileiro. Inicialmente, vale destacar que essa prática visa assegurar que o patrimônio pessoal dos sócios possa ser utilizado para saldar dívidas empresariais em situações em que haja abuso da personalidade jurídica. Contudo, essa medida, quando aplicada de forma indiscriminada ou sem a devida comprovação de abuso, pode gerar um cenário de insegurança jurídica. Isso ocorre porque o sócio, que originalmente acreditava na separação entre o patrimônio da empresa e o seu pessoal, passa a se ver vulnerável a demandas judiciais, prejudicando a confiança no modelo societário.
É fundamental observar que os artigos 129 e 130 da LRF estabelece a competência exclusiva do juiz falimentar para decisões relacionadas à extensão dos efeitos da falência. Isso significa que, mesmo em casos que envolvem créditos trabalhistas ou outras áreas do direito, o juiz universal da falência é quem detém a prerrogativa de estender ou não os efeitos da falência ao patrimônio dos sócios. Em que pese esse claro direcionamento, tribunais trabalhistas, em diversas ocasiões, têm buscado avançar sobre essa competência, com o objetivo de garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos credores. Por exemplo, no processo TRT-2 1000322-55.2020.5.02.0713, mostrou a tentativa da Justiça do Trabalho de aplicar a DPJ em favor dos credores trabalhistas. Todavia, o tribunal reafirmou que tal decisão não cabe à esfera trabalhista, mas sim ao juiz da falência (TRT-2, Acórdão 1000322-55.2020.5.02.0713, Rel. Des. Rafael Eufrásio Lima Pires, j. 17.03.2022, DJe 29.03.2022).
Ademais, os efeitos da DPJ não se restringem ao plano jurídico. No campo econômico, essa prática pode desencadear impactos diretos sobre o ambiente empresarial. O temor de ver o patrimônio pessoal comprometido em decorrência de dívidas da empresa pode desestimular o empreendedorismo, uma vez que os sócios poderiam hesitar em assumir riscos empresariais que são, muitas vezes, inerentes à atividade econômica. Ressalta Coelho (2021) que, o princípio da autonomia patrimonial é um dos pilares da segurança jurídica nas sociedades empresárias, e
qualquer vulneração indevida desse princípio tende a afetar a confiança do mercado e a disposição de novos investidores. Nesse sentido, o equilíbrio entre a proteção dos credores e a preservação do ambiente empresarial é essencial.
Além disso, a jurisprudência consolidada nos tribunais brasileiros reforça a ideia de que a DPJ deve ser aplicada com parcimônia, como último recurso, e somente quando há provas robustas de abuso, como desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O STF, no julgamento do RE 413.040/RS, relatado pelo Ministro Celso de Mello, deixou claro que a autonomia patrimonial dos sócios deve ser preservada, salvo em casos excepcionais de fraude ou má-fé. Nessa decisão, o tribunal enfatizou que o uso da pessoa jurídica como fachada para interesses pessoais e ilegítimos justifica a desconsideração, mas é necessário que tal prática seja comprovada de forma inequívoca (STF, RE 413.040/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.08.2005, DJe 12.09.2005).
Outro ponto relevante é a tentativa recorrente dos tribunais trabalhistas de estender os efeitos da falência aos sócios, em especial quando se trata de débitos de natureza trabalhista. Embora haja uma legítima preocupação em assegurar o cumprimento dos direitos trabalhistas, como prioridade no pagamento dos credores, a Justiça do Trabalho não possui competência para decidir sobre a DPJ
em processos falimentares. A LRF é explícita ao determinar que essa prerrogativa cabe exclusivamente ao juiz falimentar. O TRT da 2ª Região, ao julgar o caso 1000322- 55.2020.5.02.0713, reafirmou essa orientação, rejeitando a tentativa de responsabilizar os sócios sem a devida comprovação de abuso de personalidade, reiterando que a competência é do juiz universal da falência (TRT-2, Acórdão 1000322-55.2020.5.02.0713, Rel. Des. Rafael Eufrásio Lima Pires, j. 17.03.2022, DJe 29.03.2022).
O impacto dessas decisões sobre os sócios também merece destaque. Quando aplicada de forma indevida, a desconsideração pode resultar em efeitos psicológicos negativos para os empresários, que passam a temer pelo futuro de seus empreendimentos e pela possibilidade de ver seu patrimônio pessoal comprometido. Portanto, essa incerteza contribui para uma retração no ambiente empreendedor, sobretudo em pequenos e médios negócios. Argumenta Forgione (2015) que, essa instabilidade jurídica acaba por desincentivar a criação de novas empresas, especialmente em setores que envolvem maiores riscos econômicos, uma vez que os sócios preferem manter-se em uma zona de conforto para evitar possíveis prejuízos pessoais.
Outro aspecto importante é o impacto sobre a capacidade de reinvestimento dos sócios, que, ao terem seus bens pessoais atingidos, ficam economicamente comprometidos para futuros projetos. Garbi (2022) discorre sobre a necessidade de o sistema jurídico balancear a proteção aos credores e
a preservação do empreendedorismo, ressaltando que a aplicação indevida da DPJ compromete esse equilíbrio, prejudicando a confiança dos investidores no Brasil.
O caso Varig exemplifica as consequências nefastas de uma decisão judicial que desconsiderou critérios técnicos e jurisprudenciais estabelecidos pelo STF e STJ, resultando na extensão indevida dos efeitos da falência aos sócios. Em 2005, o TRT-RJ decidiu pela DPJ da Varig para garantir o pagamento de créditos trabalhistas, sem a devida comprovação de abuso de personalidade ou confusão patrimonial. A decisão, além de extrapolar a competência do tribunal, violou o princípio da autonomia patrimonial, ignorando o que estabelece a LRF, que reserva ao juiz da falência tal prerrogativa (TRT-1, 2005).
Destaca-se, a principal consequência, a paralisação de várias tentativas de reestruturação e recuperação judicial da empresa, que vinha tentando se manter operacional. Pois, ao atingir diretamente o patrimônio dos sócios, a decisão gerou um ambiente de total incerteza jurídica, prejudicando não apenas os sócios, mas também os credores e os próprios funcionários que
buscavam seu pagamento. Sem a possibilidade de reestruturação, a Varig foi à falência de forma definitiva, resultando na perda de milhares de empregos.
Posteriormente, a decisão foi revista, mas o dano já estava consolidado. A falência da Varig, precipitada por essa decisão, criou insegurança jurídica no setor empresarial, desestimulando novos investimentos e causando retração no mercado de aviação.
O STF, em decisões como o RE 413.040/RS, já havia ressaltado que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser aplicada com parcimônia, exigindo-se prova inequívoca de desvio de finalidade ou confusão patrimonial (STF, RE 413.040/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.08.2005, DJe 12.09.2005). Nesse contexto, o caso Varig serve como um exemplo de como decisões que não respeitam a jurisprudência consolidada podem gerar consequências econômicas e sociais devastadoras.
Conclui-se, portanto, que as consequências práticas da extensão dos efeitos da falência aos sócios são múltiplas e de grande relevância para o ambiente empresarial brasileiro. Por um lado, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser um instrumento justo para proteger os credores, desde que aplicada com cautela e base sólida. Por outro, seu uso indevido como o exemplificado no caso Varig, gera uma atmosfera de insegurança, afeta a confiança no sistema empresarial e desestimula investimentos. Assim, a doutrina e a jurisprudência, como evidenciado pelos casos do STF e do TJSP, reforçam que a desconsideração deve ser utilizada apenas como última medida,
sendo essencial que se prove, de forma robusta, o abuso da personalidade jurídica para que o patrimônio pessoal dos sócios seja atingido.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações finais desta pesquisa revelaram uma evolução significativa na aplicação da DPJ em casos de falência de sociedades limitadas no Brasil. O estudo demonstrou que o sistema jurídico se tornou mais rigoroso quanto aos requisitos necessários para justificar essa medida, oferecendo maior proteção aos sócios que agem de boa-fé. Analisando os casos em que os efeitos da falência foram estendidos aos sócios por meio da DPJ, foi possível observar que a legislação e a jurisprudência priorizam a comprovação de abuso de personalidade jurídica, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.
O resultado principal evidenciou que a DPJ é uma medida excepcional e somente aplicada em situações em que há provas claras de abuso. Diversos julgados, como o REsp 1.735.129/MG do STJ, reforçaram que a simples inadimplência não justifica a extensão dos efeitos da falência aos sócios. Nesses casos, a manutenção da separação patrimonial é crucial para proteger os sócios e fomentar o empreendedorismo no Brasil. Em contrapartida, julgados como o RE 413.040/RS do STF, que deferiu a extensão dos efeitos da falência aos sócios devido à comprovação de desvio de finalidade, demonstram que, quando o abuso é evidente, a legislação atua de forma firme para responsabilizar os sócios e proteger os credores.
A análise aprofundada sobre as consequências práticas dessa extensão revelou que, ao aplicar a DPJ indevidamente, há impactos negativos sobre a confiança dos sócios no sistema jurídico, o que pode desincentivar investimentos e criar insegurança no ambiente empresarial. Por outro lado, a aplicação correta dessa medida garante um equilíbrio saudável entre a proteção dos credores e a manutenção da autonomia patrimonial dos sócios, assegurando um ambiente de negócios favorável.
A doutrina, representada por autores como Fábio Ulhoa Coelho e Marcelo Sacramone, corrobora a necessidade de uma aplicação criteriosa da DPJ, que só deve ser utilizada quando realmente comprovado o abuso de personalidade. Ambos os autores defendem que a desconsideração não pode ser banalizada, pois isso gera insegurança jurídica e afeta o desenvolvimento econômico do país.
Ademais, as consequências práticas para os sócios vão além das perdas financeiras. A extensão dos efeitos da falência aos bens pessoais dos sócios pode impactar sua reputação no
mercado, dificultando sua reintegração em novas atividades empresariais. Essa insegurança jurídica pode afastar empreendedores do mercado, comprometendo a inovação e o crescimento econômico. Conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica, quando aplicada de forma correta, protege tanto os credores quanto o sistema financeiro, mas quando utilizada sem critérios sólidos, pode gerar efeitos nefastos para o ambiente empresarial. O equilíbrio entre a responsabilidade dos sócios e a proteção dos credores deve ser mantido, conforme estabelecido pela jurisprudência e pela doutrina. Portanto, o confronto entre os casos deferidos e indeferidos demonstrou que a justiça depende de uma análise rigorosa e detalhada para preservar tanto os interesses dos credores quanto a autonomia patrimonial dos sócios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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